Criaturas: Ao utilizar silicone, Cristina Dias cria joias como expressão artística e trabalha as formas da natureza de maneira não tradicional

Suas peças parecem organismos de outro planeta, que surgiram de desconhecidas superfícies e trazem texturas, cores e formas distintasCristina Dias é designer de joias e artista plástica que se inspira na natureza. Desse seu fascínio nasceu a necessidade de traduzir esses ‘seres’ em formas ambíguas.

Ao utilizar materiais como fio, fibras e ímãs incorporados em silicone pigmentado e permitindo que as peças se tornassem flexíveis e pudessem ser organizadas em composições diferentes, Cristina deu para a arte um olhar versátil e divertido. Foi aí que ela começou a explorar novas maneiras de envolver as pessoas em seu processo criativo. 

Cristina Dias nasceu em São Paulo e cresceu em Brasília. Foi para Boston aos 18 anos, onde fez faculdade em artes plásticas e se especializou em joias e esculturas em metal. Bem no final do curso, decidiu fazer uma série inspirada por plantas carnívoras.

“Queria muito traduzir as cores, o movimento e o elemento sedutor dessas plantas para as minhas joias, e por isso acabei mudando de rumo e comecei a trabalhar com borracha, mesmo sem saber como utilizar o material. Minha orientadora ficou com o coração na mão achando que eu não conseguiria terminar meu projeto a tempo. No fim das contas, acabei não só conseguindo formar na faculdade, mas me empolguei tanto que segui com a série até ela naturalmente se expandir para outras formas da natureza, nascendo então a série das Criaturas”.

AS CRIATURAS DE CRISTINA DIAS

A designer hoje se traduz como alguém que gosta de fazer joia como uma forma de expressão artística. Em uma de suas séries principais – as Criaturas – Cristina cria formas inspiradas pelas natureza com silicone e fibras coloridas. “Busco trabalhar a beleza de uma maneira não muito tradicional, de modo a apresentar algo que possa ser, ao mesmo tempo, familiar e exótico, atraente e repulsivo, ou belo e grotesco”.

A ideia deu tão certo que ela expandiu o projeto ao apresentá-lo como uma instalação interativa, onde o público era convidado a interagir com peças magnéticas que “grudavam” na parede: elas tanto poderiam ser reorganizadas para formar novas composições nessa instalação, como poderiam ser combinadas entre si para formar colares, braceletes, pulseiras, etc.

Conversamos com a artista para saber um pouco mais sobre suas inspirações, confira:

ENTREVISTA CRISTINA DIAS

FTC: Quais as influências que estão por trás dos seus projetos?

O mundo da joia artística contemporânea tem uma influência enorme sobre o meu trabalho. Nas últimas décadas, vários artistas-joalheiros tem criado peças como uma forma de expressão artística, muitas vezes expandindo ou até mesmo rompendo com conceitos e materiais tradicionalmente ligados à joia.

Este nicho já é bem estabelecido na Europa, Estados Unidos e partes da Ásia, mas já existem galerias e artistas no Brasil com esse foco também. Este caminho aberto por outros artistas facilitou a minha própria trajetória, principalmente ao decidir abandonar o metal para trabalhar com materiais alternativos.

FTC: O que é arte para você? Poderia nos explicar qual é a principal proposta da sua arte?

Arte para mim é uma forma de comunicação e expressão. A considero essencial para o ser humano, pois ela é uma linguagem que nos permite conectar-nos ao mundo das ideias, da estética e da filosofia, expandindo a nossa compreensão sobre a nossa própria essência e a do mundo à nossa volta.

Diria que a principal proposta da minha arte é compartilhar com os outros algo extraordinário, mas no sentido mesmo de algo que não é ordinário, comum, ou presente no dia-a-dia. Não me interessa fazer mais do mesmo. Quando as pessoas têm a oportunidade de entrar em contato com as minhas joias em pessoa, quero que essa experiência seja especial. Penso da mesma forma com relação às imagens que posto no Instagram.

Queria tanto traduzir o lado lúdico do meu trabalho para o mundo virtual que comecei a fazer animações em estilo stop motion só para que as criaturas pudessem ganhar vida na internet! Hoje, considero as animações uma parte integral do meu trabalho.

FTC: O que deseja passar para o público através das suas Criaturas?

Gosto de criar objetos e joias inusitadas que possibilitem a reflexão sobre o que vem a ser uma joia, sobre parâmetros de beleza, sobre a diferença entre percepção visual e experiência táctil, assim como sobre aquilo que escolhemos colocar em nossos corpos e com os quais nos identificamos ou não.

Gostaria também de instigar a curiosidade nos outros sobre o mundo da joia artística! Tem tanta coisa interessante sendo feita mas percebo como poucas pessoas sabem que esse campo sequer existe… Se meu trabalho puder servir como uma ponte que abre esse caminho, também ficaria bastante satisfeita.

FTC: Com o que você se inspira?

Seres da natureza que instigam sentimentos contraditórios em mim são a maior fonte de inspiração para a série Criaturas. Sou fascinada pelo conceito de beleza, mas particularmente pela subjetividade daquilo que é tentador, daquilo que tem a capacidade de nos atrair mas causar receios ao mesmo tempo. Gosto de brincar com essa dicotomia ao fazer peças que parecem ser frágeis quando não o são, ou que podem ser consideradas atraentes por uns e repugnantes por outros, seja por sua estética ou pela sensação táctil que os objetos proporcionam.

FTC: Qual tem sido o maior aprendizado desde que iniciou este trabalho?

Em primeiro lugar, que sou uma pessoa muito devagar! (Risos). Comecei a série Criaturas em 2007 e nunca imaginei que ainda estaria trabalhando nela dez anos depois… Nesse meio tempo, eu até iniciei um outro projeto, mas voltei às Criaturas por achar que esta série não estava completa.

Agora que desenvolvi a instalação das Criaturas, onde o público pode interagir livremente com as peças por elas estarem conectadas à parede somente por magnetismo, percebo como me interesso cada vez mais pela capacidade da arte de criar experiências.

Ao apresentar as Criaturas não como joias em formato definido (como um colar, broche ou bracelete), e sim como peças que podem ser combinadas entre si para virarem joias no corpo, abro um diálogo sobre criação com o público. A joia também deixa de ser um objeto exclusivo para ser algo compartilhado, mesmo que momentaneamente.

FTC: O que vem pela frente?

Mais Criaturas! A instalação que participou da mostra “Aqui, bem ao Sul” é um projeto em andamento. Ainda pretendo cobrir uma parede inteira com as minhas criaturinhas e não tive tempo suficiente para fazê-lo antes da exposição fechar. Portanto, elas continuarão se multiplicando para infestar (e alegrar) um novo ambiente!

FTC: O que tem lido, ouvido, visto, quais são os artista preferidos no momento?

Nos últimos quatro meses, participei (dez/2017) da residência artística da FAAP em São Paulo. Portanto, acompanhei os projetos dos outros artistas residentes durante este tempo. As linhas de pesquisa de cada um são bem variadas, incluindo fotografia, vídeo, performance, arquitetura, pintura, escultura e poesia. Além deste contato muito enriquecedor, também frequentei museus, galerias e espaços culturais em São Paulo. Estou impressionada com o quão efervescente esta cidade é, apesar do momento que estamos vivendo…

Enquanto trabalho no ateliê, tenho ouvido muitos podcasts. Os meus três preferidos no momento são americanos: “Why Oh Why” é sobre relacionamentos na era da internet, meu preferido quando quero dar gargalhadas; “Peter’s Podcast” é feito por um professor de yoga incrível, e ele fala sobre como aplicar os ensinamentos da yoga no dia-a-dia (perfeito para manter minha mente sã); e o “The Daily” é do jornal The New York Times, e ele me mantém por dentro do que está rolando no hemisfério norte.

Acompanhe o trabalho de Cristina Dias em seu site, Facebook e Instagram.

Por Carol T. Moré

Carol T. Moré é editora do FTC. Internet, café, todo tipo de arte, viagens e pequenos detalhes da vida a fazem feliz. Acredita que boas histórias e inspirações transformadas em pixels conectam pessoas.