Gertrud Arndt, Marianne Brandt, Anni Albers e +: Conheça 8 mulheres pioneiras da Bauhaus

Quando a escola de arte Bauhaus abriu em 1919, mais mulheres se inscreveram do que homens – então por que nunca ouvimos falar delas?

Modernismo, minimalismo, formas planas e retangulares. Uma das escolas mais emblemáticas de arquitetura e design, a Bauhaus, comemorou 100 anos em 2019. A instituição avant-garde ativa de 1919 a 1933 na Alemanha, inaugurada pelo arquiteto alemão Walter Gropius, foi a 1ª escola de design do mundo

Bauhaus mudou paradigmas, trazia a beleza descomplicada e era o oposto de um estilo cheio de ornamentos excessivos – em alta na época da Europa pós-guerra. Ali, o aluno aprendia sobre proporção, escala, ritmo, luz, sombra e cor, além de experimentar diversos materiais e instrumentos.

Depois de três anos de aprendizado, alcançava-se o título de mestre da Bauhaus. Já contamos aqui diversas curiosidades sobre este movimento em outras matérias, mas faltou faltar que talvez a época e sua estética quase industrial, especialmente em grande escala acabou deixando algumas associações estereotipadas com a masculinidade.

Quando pensamos no movimento referenciamos a Bauhaus facilmente aos nomes de Paul Klee, Walter Gropius, Wassily Kandinsky, László Moholy-Nagy, Oskar Schlemmer – todos homens. E se procurarmos as mulheres da Bauhaus, o que encontraremos? Por que elas não são tão citadas ou não foram tão reconhecidas?

AULAS DE TECELAGEM E CERÂMICA – PARA MULHERES

A instituição era vista como acadêmica progressista, pois declarava igualdade entre os sexos e aceitava ambos alunos em seus programas durante uma época em que as mulheres não podiam ingressar em academias de arte formais. Assim, a Bauhaus deveria proporcionar para as mulheres um nível sem precedentes de oportunidades tanto na educação quanto em seu desenvolvimento artístico.

Porém, a realidade era bem diferente do que pregavam. As mulheres eram aceitas apenas nas aulas de tecelagem, cerâmica e em outros campos considerados femininos. No 1º ano da escola, mais mulheres se inscreveram do que homens. No entanto, a igualdade de gênero não era tão real quanto elas esperavam.

Escadas com as alunas da aula tecelagem. Bauhaus Dessau, 1927. Crédito: Espólio de T. Lux Feininger / Bauhaus-Archiv, Berlim / Cortesia Taschen

GERTRUD ARNDT

Gertrud Arndt (1903-2000) chegou à escola de arte e design Bauhaus em 1923 bem otimista. Ganhou uma bolsa de estudos, tinha passado vários anos trabalhando como aprendiz em uma firma de arquitetos, e decidiu estudar arquitetura. Era sua chance.

Gertrud Arndt, uma mulher apaixonada por arquitetura

Por conta de uma longa discussão com seu diretor fundador, o arquiteto Walter Gropius, e um de seus professores Johannes Itten, Arndt foi informada de que não havia curso de arquitetura para ela e foi enviada para a oficina de tecelagem. A situação só melhorou depois que Gropius conseguiu expulsar Itten no mesmo ano (1923).

Um dos têxteis de Gertrud, na época da Bauhaus.

Dizia-se que era preciso manter as mulheres em seu lugar – principalmente, criando tecidos modernos para casas de moda e produção industrial. Professores acreditavam que as mulheres pensavam em “duas dimensões”, enquanto os homens podiam lidar com três.

No entanto, à medida que a Bauhaus progrediu, as alunas foram incentivadas a se especializar em outros programas também. Essa mudança foi facilitada pelo artista húngaro radical László Moholy-Nagy , que se tornou parte da administração da Bauhaus após a saída de Itten. 

Em 1927, Gertrud completou seus estudos na Bauhaus em tecelagem, no entanto, nunca mais praticou. Em vez disso, descobriu seu amor pela fotografia, que aprendeu sozinha. A essa altura, ela era casada com o seu colega da Bauhaus, Alfred Ardnt, que foi diretor da escola. 

Gertrud começou a tirar auto-retratos de suas “máscaras”, pelos quais ela não foi reconhecida até a década de 1980, se transformando em uma retratista criativa que se fotografou dezenas de vezes em sua série mais icônica. Ela fez 43 de seus retratos de máscara, embora também tenha imortalizado Otti Berger e Guta Stölzl. Gertrud morreu aos 97 anos nos anos 2000.

MARIANNE BRANDT

Ao contratarem Moholy-Nagy no lugar de Itten, ele assegurava que as alunas tivessem mais liberdade, e as incentivava. Marianne Brandt conseguiu abrir espaço em outra disciplina reservada apenas para os homens: o metal.

A designer de metal Marianne Brandt em um autorretrato de dupla exposição, 1930. Crédito: VG Bild-Kunst, Bonn 2019 / Bauhaus-Archiv, Berlim

Brandt se tornou a 1ª mulher admitida no programa de metalurgia da Bauhaus. Ela estudou com Moholy-Nagy e acabou sendo nomeada assistente de oficina. Assim, se tornaria uma das principais designers industriais da Alemanha durante a década de 1930, e seu infusor e coador de chá de 1924 uma das peças mais famosas.

Marianne era muitas coisas: pintora, escultora, designer industrial e no final de sua vida, fotógrafa. Começou seus estudos em pintura e escultura na Escola de Belas Artes de Weimar, mas a grande decisão de sua vida foi entrar na Bauhaus.

Luminária de cabeceira Kandem, 1928 por Marianne Brandt.

Marianne tem seus desenhos industriais para objetos domésticos reconhecidos como expressões icônicas da estética Bauhaus até hoje. Ela faleceu em 1983.

LILLY REICH

Lilly Reich também não aceitava ficar nas aulas de tecelagem apenas. Reich tinha experiência anterior trabalhando com bordados e desenhou uma variedade de roupas e móveis. 

Lilly Reich: arquitetura, design, têxteis e moda em Berlim até sua morte em 1947

Designer e arquiteta alemã, Reich se tornou colaboradora próxima de Mies van der Rohe, com quem foi associada por mais de 12 anos até o arquiteto se mudasse para os EUA. Reich nunca estudou arquitetura, mas a praticou, assim como o fez com outras disciplinas artísticas, como por exemplo o design.

Quando foi nomeado diretor da Bauhaus, Mies van der Rohe convidou Reich para dar uma oficina na Escola de Dessau e a colocou como diretora do atelier de design de interiores e têxteis, cargo que ocupou na Bauhaus em Dessau e em Berlim. Reich tornou-se assim uma das poucas professoras que a escola viria a ter.

Cadeira Barcelona – Design de de Lilly Reich e Ludwig Mies van der Rohe

Embora a Bauhaus tenha sido fechada pouco depois, Reich continuou a ter uma carreira de sucesso como designer de interiores. Ela morreu em 1947.

ALMA SIEDHOFF-BUSCHER

Mudar da oficina de tecelagem para o departamento de escultura em madeira dominado por homens era um grande passo. Alma frequentou a Bauhaus de 1922 a 1925, onde estudou escultura e teoria da cor com Josef Hartwig e Paul Klee.

Alma Siedhoff-Buscher. Foto: Cidade de Kreuztal. Créditos: Kulturbüro Siegen-Wittgenstein

Eventualmente, ela se tornou uma designer de brinquedos de sucesso. Inventou um “pequeno jogo de construção de navios em que manifestou os princípios centrais da Bauhaus” e uma linha de bonecas. Infelizmente, ela morreu em 1944, em um bombardeio perto de Frankfurt.

Alma se tornou a mais conhecida designer de móveis práticos e brinquedos quando falamos em reforma educacional. O seu jogo de construção naval acima ainda é produzido e vendido na Europa.

GUNTA STOLZ

Gunta Stölzl, chefe de tecelagem da Bauhaus de 1927 a 1931 e a única mulher a se tornar mestre, fotografada na Bauhaus Dessau em 1927. Crédito: Bauhaus-Archiv, Berlim / Cortesia Taschen

Gunta Stölz foi a única de todas elas a passar por todas etapas de formação da Bauhaus: aluna, professora, mestre de atelier e diretora do atelier de têxtil.

Gunta estudou história da arte, pintura decorativa, pintura em vidro e cerâmica na Kunstgewerbeschule em Munique. Durante a 1ª Guerra Mundial, ela deixou seus estudos para servir como enfermeira da Cruz Vermelha de 1916 a 1918. Tinha apenas 22 anos quando entrou na Bauhaus. 

Tapeçaria super colorida de Gunta Stölzl

Seu foco principal era realmente a tecelagem, e ela se tornou conhecida por seus desenhos intrincados e super coloridos. Stölzl foi uma das únicas professoras mestres e liderou o departamento de tecelagem por 5 anos (de 1926 a 1931). Sob sua direção, a tecelagem da Bauhaus tornou-se um dos campos de maior sucesso da escola. 

Em 1931, Stölzl mudou-se para Zurique, Suíça e iniciou sua própria empresa de tecelagem manual SPH-Stoffe com dois colegas da Bauhaus, Gertrud Preiswerk e Heinrich-Otto Hürlimann. Stölzl dirigiu a empresa que ficou famosa, até 1967. 

ANNI ALBERS

Contudo quem levaria o tear e o design têxtil para o alto padrão, seria Anni Albers. Como muitas outras, Albers entrou na Bauhaus com a intenção de estudar pintura, mas a política da escola apenas lhe permitiu entrar no atelier de têxteis. Naquele momento, o treinamento dado as alunas era fundamentalmente prático, então Albers pôde demonstrar sua capacidade de tecer.

Anni Albers em 1922. Crédito: Fundação Josef e Anni Albers / Cortesia Taschen

Anni criou um tecido que absorvia o som, reflexivo e lavável (feito principalmente de algodão e celofane) especificamente para um auditório musical. Esse foi seu trabalho final de graduação. A pintura não deixou de estar presente em seu trabalho, ainda que ela não tivesse tido permissão para mostrar sua arte em uma tela.

Anni transformou em pinturas seus tecidos e tapeçarias (que ela chamava “cortinas”). Os tecidos pictóricos são suas obras mais conhecidas, onde a arte abstrata teve grande influência.

Tapeçaria de Anni Albers

Em 1949, ela foi a 1ª artista têxtil mulher a realizar uma exposição individual no MoMA de Nova York e, em 1965, publicou seu renomado livro “On Weaving”. Em sua carreira, ela combinou com sucesso o artesanato têxtil com a produção industrial e o design modernista abstrato, o que trouxe unidade às três áreas. Albers morreu em 9 de maio de 1994.

OTTI BERGER

Otti Berger também foi uma designer têxtil de grande fama graças à sua loja em Berlim ‘Atelier for Textiles’. Croata, ela é considerada uma das artistas mais conceituadas do movimento Bauhaus. Antes de entrar na escola, ela foi para a Royal Academy of Arts and Artistic Crafts em Zagreb em 1926.

Dupla exposição de Otti Berger com a fachada do Atelierhaus, Dessau, em 1931. Crédito: Géza Pártay / Bauhaus-Archiv, Berlim / Cortesia Taschen

Em 1927, ela se matriculou na oficina têxtil, da qual se formou em 1930. Quando Gunta Stölzl deixou a Bauhaus, Berger interveio temporariamente como diretora antes de Anni Albers assumir o cargo. 

Por nunca ter recebido uma proposta de vaga permanente, ela decidiu abrir seu próprio Atelier Têxtil em Berlim, mas quando os nazistas subiram ao poder, não teve mais permissão para trabalhar. Escreveu para vários de seus amigos da Bauhaus, por vários anos, que já estavam nos Estados Unidos na tentativa de conseguir um visto para lecionar em 1937, mas nunca conseguiu um.

Em 1944, Berger foi deportada para Auschwitz junto com sua família, onde foi morta aos 46 anos.

Festa no ateliê de Otti Berger, Alemanha, outubro de 1930.

MARGHERITE FRIEDLAENDER-WILDENHAIN

A ceramista Marguerite Friedlaender-Wildenhain foi a 1ª mestre de cerâmica alemã a completar os estudos

Logo após a 1ª Guerra Mundial , em 1919, enquanto estava em Weimar por um fim de semana, ela se deparou com uma frase postada pelo arquiteto Walter Gropius sobre a fundação da Bauhaus, e ali, decidiu se tornar uma das primeiras alunas a se matricular.

Wildenhain frequentou a Bauhaus em Dornburg de 1919 a 1925. Ela estudou ao lado dos pintores Paul Klee e Wassily Kandinsky e trabalhou em estreita colaboração com o escultor Gerhard Marcks e o oleiro Max Krehan. Em 1925, Margherite se tornou a 1ª mulher a receber a certificação Master Potter na Alemanha. 

Em 1926, ela deixou a escola e mudou-se para Halle-Saale, Alemanha, onde era chefe da oficina de cerâmica em uma Universidade. Também projetou protótipos de louças para serem produzidas em massa para a Konigliche Porzellan-Manufaktur.

Porém, quando os nazistas chegaram ao poder em 1933, foi forçada a deixar seu cargo por causa de sua ascendência judaica e mudou para a Holanda. Lá, ela criou uma oficina de sucesso em Amsterdã antes de partir para os Estados Unidos na década de 1940.

Foi apenas na Califórnia que alcançou uma carreira de sucesso, graças à sua cerâmica. Wildenhain morreu em 24 de fevereiro de 1985, na Califórnia.

MULHERES NA BAUHAUS

Gunta Stölz uma vez disse: “Queríamos criar coisas vivas com relevância contemporânea, apropriadas para um novo estilo de vida. Diante de nós, havia um enorme potencial de experimentação. Era essencial definir o nosso mundo imaginário, moldar nossas experiências através de material, ritmo, proporção, cor e forma “. E elas conseguiram, embora a história as tenha levado de certa forma ao esquecimento.

Sem saber disso, a escola acabou reforçando o trabalho de grandes artistas mulheres, que ao final, adquiriram grande força e presença por conta da Bauhaus, deixando suas peças como um grande legado, e um ensinamento que, inclusive é um dos mais emblemáticos: tentar/nunca desistir.

Para saber mais: As Mulheres esquecidas de Bauhaus por Archdaily, Women of the Bauhaus por Wikipedia, The Women of the Bauhaus School por Artsy, The Female Pioneers of Bauhaus Art Movement por OpenCulture. 

Por Carol T. Moré

Carol T. Moré é editora do FTC. Internet, café, todo tipo de arte, viagens e pequenos detalhes da vida a fazem feliz. Acredita que boas histórias e inspirações transformadas em pixels conectam pessoas.