A produtora executiva do Fábrica de Graffiti, Paula Mesquita, projeto que humaniza distritos industriais por meio da arte de rua, fala sobre casos práticos que revelam o potencial da arte urbana para provocar, inspirar e ressignificar o espaço público, fazendo da cidade uma verdadeira galeria a céu aberto;
A arte, em suas mais diversas expressões, é uma ferramenta de emancipação. Ela enriquece o imaginário e interfere diretamente na construção da nossa identidade e na de uma comunidade. Em particular a arte de rua, por ocupar os espaços públicos e por isso dialogar diretamente com as pessoas. Nas ruas, nas praças e nos muros, a arte ganha novas dimensões e impacta, consciente ou inconscientemente, quem passa, criando um ambiente fértil para o desenvolvimento da criatividade e do senso crítico.
Ao preencher espaços urbanos, a arte se torna uma espécie de manifestação viva e seu caráter acessível, porque está próxima às pessoas, é uma de suas maiores potências. Um exemplo claro disso é o projeto Fábrica de Graffiti, de Belo Horizonte (MG), que tem desempenhado um papel fundamental na legitimação e na possibilidade de fruição da arte de rua e da cultura Hip Hop no Brasil. Desde 2019, o Fábrica viaja pelo país fazendo arte, humanizando distritos industriais, ensinando o breakdance, levando o colorido grafite para cidades antes cinzentas, sendo, inclusive, responsável pela pintura dos maiores murais de grafite de Minas Gerais, da Bahia e da América Latina, no Rio de Janeiro. Quando o Fábrica se vai, deixa um legado para a cidade e sua comunidade.
Também nascida em BH, a JUNTA é uma feira de arte contemporânea que integra a cena cultural da cidade desde 2016 e apoia artistas independentes. Em 2024, a feira deu mais um passo ao lançar sua primeira residência artística. Com ateliê, apoio financeiro e estrutura garantidos, a proposta é fomentar a produção artística, incentivar a troca cultural e impulsionar novos projetos.
A arte urbana não transforma apenas o espaço físico, mas também os espaços simbólicos. Outra experiência, em Cariri, no Ceará, chama atenção. A Universidade Regional do Cariri (URCA) desenvolveu, em 2022, uma pesquisa que explora o uso do cartaz lambe-lambe como metodologia no processo de ensino. Esta pesquisa aponta para a possibilidade de romper com as barreiras entre a escola e a realidade cotidiana dos estudantes, utilizando a arte como uma ferramenta crítica e emancipadora.
O lambe-lambe, ao se espalhar pelos muros da cidade, estabelece uma comunicação imediata com os transeuntes. Sua estética combina textos, imagens e colagens que podem transmitir mensagens de resistência e transformação. Foi analisada, por exemplo, a ação do Coletivo Feminista da Escola Municipal de Ensino Fundamental Sebastião Francisco, que colou cartazes lambe-lambe pelo bairro com os dizeres “Ensine os homens a RESPEITAR, não as mulheres a TEMER”. O método instiga os alunos a refletirem criticamente sobre seu entorno e a se expressarem criativamente, ampliando seu senso de pertencimento à própria cidade e à sociedade. Outro ponto positivo é que o lambe-lambe consiste em uma técnica artística prática, que permite seu uso em larga escala nos ensinos público e privado.
O que casos como esses nos ensinam? Mais do que uma galeria a céu aberto, a arte de rua é uma manifestação dinâmica e pulsante, sempre em diálogo com a cidade e suas pessoas. Ela serve para embelezar, mas também para provocar, questionar e inspirar novas formas de enxergar a realidade. A cada nova intervenção artística, uma oportunidade de ressignificar o mundo que conhecemos e gerar uma reflexão coletiva. Para mim, a arte urbana é um convite constante para vivermos a cidade da maneira mais crítica e sensível possível.
* Paula Mesquita Lage é produtora-executiva do Fábrica de Graffiti, projeto que humaniza distritos industriais em todo Brasil. Ela também é fundadora da Colado, estúdio de decoração de interiores que cria lambe-lambes inspirados na arte de rua e na cultura brasileira.