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Fabiano Almeida materializa narrativas poéticas sobre corpos negros através das criações do Malungo Lab. Confira entrevista

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Fabiano Almeida tem 35 anos de idade e está por trás do projeto Malungo Lab., um ateliê de criação artística que soma às lutas por representação, representatividade e identidade negras.

Nascido e criado na cidade de São Paulo, Fabiano se formou em Artes Cênicas em 2011, e conta que a formação em Teatro o permitiu explorar diversas linguagens artísticas, que se desdobraram até a criação do seu trabalho atual, que teve início em 2019.

O artista conta que busca materializar poesia sobre corpos negros através de seu projeto: “As construções no laboratório buscam sempre ampliar e reforçar subjetividades e universalidades frequentemente retiradas de nós, pessoas pretas, pelo imaginário colonizado que temos enquanto sociedade, responsável por uma constante manutenção do racismo que não vê corpos negros como corpos sensíveis ele diz.

Além de se dedicar ao Malungo Lab., ele também já desenvolveu trabalhos como ator, cantor, e educador, e conta que todas essas esferas se cruzam na sua prática artística. Influenciado principalmente por arte popular, suas cores, materiais e pela experiência com cenografia e textos, Fabiano se concentrou na exploração de um universo onírico para criar suas primeiras peças. Segundo o paulistano, “cada obra representa uma pequena narrativa, um pequeno conto”.

A expressão “Malungo”, que dá nome ao ateliê, é a forma como as pessoas negras escravizadas no Brasil chamavam-se entre si, no sentido de “companheiro” ou “pessoa na mesma condição”: “Os malungos que crio são os muitos meninos e homens negros que, como eu, querem se ver, se (re)conhecer. Eles representam indivíduos, universos próprios, infinitamente maiores que as caixas em que nos colocam, geralmente nos relacionando à violência, à força, a corpos não sensíveis, conclui Fabiano.

O artista concedeu uma entrevista exclusiva para o FTC onde falou um pouco mais sobre suas influências e processos. Confere!

FTC ENTREVISTA MALUNGO LAB.

FTC: Qual foi seu momento “a-ha”, seu estalo, para se interessar e começar a criar os Malungos?

Fabiano: Dois fatores me levaram a esse momento. O primeiro foi a necessidade de criar uma oportunidade de trabalho do zero porque a estabilidade e um salário fixo na área de cultura foi algo que poucas vezes tive. Segundo, eu estava muito movido por um desejo de criar algo a partir da “virada de chave” em que eu me encontravaalgum tempo sobre o que é ser um homem negro nesse país e o quanto eu gostaria, assim como outros, de me ver representado a partir de minhas sensibilidades.

Na época eu estava escutando o disco “Um corpo no mundo“, da Luedji Luna, e ele me alimentou muito com imagens e um texto que foi como um presente naquele momento. Eu precisava ouvir aquelas canções pra me re(conhecer), pra me (re)direcionar na vida. O resultado foi o Malungo Lab. Eu encontrei nessa construção de bonecos e cerâmicas a minha linguagem pra também somar a este movimento por afirmação e representatividade, mas que é, originalmente, uma necessidade minha.

FTC: Quais as influências que estão por trás do projeto?

Fabiano: A base desse trabalho é convidar para a observação de corpos negros em sua amplitude e o tanto de subjetividade que cada um permite. Isso é rico. Nesse sentido, toda pessoa preta me influencia, eu vivo num exercício de observação de mim, de familiares, amigos(as), artistas pretos(as) que admiro e como eles(as) também nos retratam. A poesia me influencia muito, a música, uma frase que ouço num filme… As pequenas coisas me chamam muito a atenção sempre.

FTC: Pode contar pra gente um pouco do seu processo criativo no seu dia-a-dia?

Fabiano: Eu tenho dividido o meu tempo com outro trabalho junto da minha família e isso toma bastante o meu tempo no momento. A criação no Lab. se dá sempre em metade do dia. Geralmente, minha cabeça fica em constante busca por uma imagem, algo que eu queira dizer, daí crio um rascunho, de forma muito simples e então passo pra construção em si das peças.

Quando a peça é apenas a cerâmica, um rosto por exemplo, eu sei onde quero chegar no sentido de composição final, mas eu me deixo também chegar a uma pessoa que eu não conhecia, um personagem pelo qual me apaixono, e isso faz também com que cada um deles seja sempre diferente do outro. Isso pra mim também é muito simbólico. Singularidades.

FTC: Seu trabalho apresenta uma grande diversidade de materiais. O que norteia a escolha do material para cada peça? Existe algum que você ainda gostaria de utilizar?

Fabiano: Bem no comecinho desse trabalho eu tinha uma sincera intenção de fazer bonecos apenas, e isso me fez buscar no tecido e na madeira uma forma de compor com as cabeças em cerâmica. Eu não queria fazer corpos inteiros em cerâmica naquele momento. Hoje isso já mudou e gosto muito de como o trabalho também tem vontade própria. Ele se concretiza num espaço que antes era vazio e isso muda tudo. Gera vontades.

Eu passei a usar linhas com mais frequência, por exemplo, gosto muito de fios como símbolo, como geradores de trama, e ver algumas peças no meio do processo me trouxe esse interesse que talvez no começo não havia.

Eu não tenho limite em relação a que materiais usar, contanto que eles colaborem com a história que quero contar, são bem-vindos. Às vezes algum objeto, um pedaço de madeira com alguma particularidade, por exemplo, é pra mim a primeira pista numa nova criação. Meus planos preveem também a chegada de outras linguagens, como o uso do bordado, por exemplo, ou a criação de cópias em resina, já que hoje todas as peças são originais.

FTC: Quando você resolveu vender suas peças?

Fabiano: A partir da necessidade por renda. Depois de criar as quatro primeiras peças, me senti mais seguro com o que antes era apenas um plano. Ao ver o trabalho pronto, com coerência (pra mim, naquele momento, porque muito já mudou e vivo entre acerto e erro), decidi levá-lo ao Instagram e daí a Malungo Lab nasceu de fato, quando encontrou público e se realizou a partir de como gerava afeto nas pessoas. Isso não se prevê.

FTC: O que te dá mais prazer no seu trabalho? E o que dá menos?

Fabiano: Tenho muito prazer em conseguir transpor alguns sentimentos pra matéria e perceber que ESTE É O MEU TRABALHO, depois expor isso pras pessoas e perceber o como elas se apropriam dele por identificação. Sinto que movi algo. É muito legal alguém querer levar pra casa algo que é tão meu. E que depois passa a ser tão dela. Movimento bonito esse.

Em relação ao que não gosto, posso falar de uma certa sobrecarga que não dá pra evitar. Como um artista independente, um pequeno produtor, eu sou responsável por TODO o processo do meu trabalho, de ponta a ponta, e ao mesmo tempo que isso me liberta, também me suga, e acaba me impedindo de me dedicar à criação porque tenho que dividir o tempo com a administração de tudo pra que as peças cheguem na casa de um comprador. É a realidade de muitos irmãos e irmãs artistas. Mas honro cada parte. Tudo ao seu tempo. Estou aprendendo MUITO entre acertos e erros.

FTC: Quais as maiores dificuldades na carreira artística?

Fabiano: Eu acredito que seja a dificuldade de todo artista, mas há alguns pesos maiores pra nós, artistas pretos(as) e periféricos(as), pois temos, constantemente, que nos provar e lidar com questionamentos sobre “ser arte ou não” o que fazemos. É comum me perguntarem por que me “defino” como Artesão e não Artista. Fico confuso, por que, artesão é o quê? Médico? Sou tantas coisas para além do que diz meu perfil no Instagram. Eu brinco, mas isso reflete muita coisa sobre uma ideia colonizada e persistente do que é ser artista. Iria longe com esse tema.

Enfim, viver somente da produção artística não é tarefa simples, não tem manual, não há vagas nos classificados dos jornais. Temos sempre que criar oportunidades. Já transitei pelo Teatro, pela Música e assim também foi. Tudo leva tempo e a situação atual do país, com esse desgoverno tentando nos minimizar enquanto trabalhadores da cultura, complica ainda mais. A gente, no entanto, vai continuar aqui.

Acompanhe o trabalho de Fabiano pelo Instagram do Malungo Lab.

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