FTCMag Art Attack Homens com linhas e agulhas! Coletivo Almofadinhas promove o debate sobre estereótipos e preconceitos através do bordado
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Homens com linhas e agulhas! Coletivo Almofadinhas promove o debate sobre estereótipos e preconceitos através do bordado

Rodrigo Mogiz – Rapaz Andorinha

Partindo do interesse em comum acerca do bordado, Fábio Carvalho, Rick Rodrigues e Rodrigo Mogiz entrelaçam suas técnicashistórias na criação de um coletivo que aborda discussões sobre gênero, afetividade, memória e sexualidade por meio dos ornamentos feitos com linhas e agulhas.

Rodrigo Mogiz – Dont Hurt Me

O Coletivo Almofadinhas surge em meados de 2015. A expressão “almofadinha” foi usada para designar “rapazes elegantes e efeminados” que se reuniram para definir quem era o melhor na prática do bordado em almofadas em um concurso que aconteceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, no ano de 1919. O termo foi então adotado pelo grupo em alusão a essas figuras.

Vindos do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, os três artistas com formação na esfera das Artes Plásticas e Visuais passam a interagir por conta da afinidade entre seus trabalhos. Surge então a intenção de criarem algo coletivamente, unindo a técnica e as temáticas que cada um já trabalhava de maneira individual.

Cada membro contribui com sua proposta, mas ainda assim ressaltam que influenciam e interferem ativamente no trabalho um do outro.

Rodrigo Mogiz – Protege Moi

Fábio imprime em suas obras reflexões sobre os elementos que compõe a identidade de gênero na infância. Ele destaca, por exemplo, como os brinquedos são usados como delimitadores de papéis sociais.

Rick parte do desenho e da apropriação e ressignificação de objetos para destacar aspectos afetivos e emocionais que permeiam suas obras. Nelas, o artista agrega diferentes elementos como objetos de madeira, miniaturas e os próprios desenhos para, juntamente com o bordado, criar narrativas que tem forte ligação com componentes da casa da infância.

Rodrigo faz uso de imagens que estão alinhadas com o universo da moda e da publicidade. Questões afetivas e sexuais são trabalhadas por ele em diversas camadas de tecidos com diferentes propriedades, fazendo uso das transparências para contar narrativas através dos pontos, das miçangas, alfinetes e outros materiais comumente usados na costura.

Para os três, “o bordado permite uma experiência interior estética. Cada um à sua maneira, todos imprimem com o bordado a sua mensagem poética”.

Rodrigo Mogiz – Sacre Couer Transgresse

ENTREVISTA COLETIVO ALMOFADINHAS

O FTC entrevistou os membros do grupo, que teve sua primeira exposição realizada em Belo Horizonte no início de 2017, para saber mais intimamente sobre a relação deles com os trabalhos manuais, sobre suas inspirações, processo criativo, influências e intenções. Eles responderam parte das nossas perguntas individualmente, e parte em conjunto. Confira:

FTC: Como surgiu sua relação com o bordado e o trabalho manual?

Fábio: Me interessei pelo bordado durante uma residência artística em Portugal em 2011. Neste período eu já usava apliques de bordados industriais, mas ocorreu-me que seria ainda mais interessante se eu fizesse o meu próprio bordado. Além de agregar esta técnica à minha prática artística, eu poderia reafirmar minha discussão sobre os estereótipos de gênero me submetendo a uma atividade considerada feminina.

Rick: Aprendi a bordar com meu irmão mais velho, costurando couro de boi na fazenda do nosso avô quando criança. Anos mais tarde transferi essa habilidade para a prática artística, e o homenageei em 2015 com uma série de passarinhos, que costumávamos observar na infância. Através de tal praxe eu recodifico e realoco referências culturais, memórias afetivas, o imaginário infantil, sonhos, fragilidades e não deixo de pôr em xeque determinados conceitos e tabus sociais.

Rodrigo: Comecei a bordar numa associação livre com o gesto do desenho durante minha graduação em artes, por volta de 2002 e 2003. Como eu já usava a costura como elemento de conexão em pinturas e colagens, o bordado veio como o mais pertinente desdobramento para novas investidas no desenho, embutindo também conceitos de dor e beleza.

Rick Rodriguez – sem título

FTC: Pode contar pra gente um pouco do seu processo criativo no seu dia a dia?

Fábio: O mais caótico que se possa imaginar! Um novo trabalho pode surgir a qualquer momento. É muito mais provável que um ele surja na rua, ao invés de fechado em casa. Quando estou em trânsito, longe de casa, tudo parece novo e mais estimulante. Os sentidos parecem ficar em constante estado de alerta, o que é muito bom para a criação.

Rick: Tenho o desenho híbrido como ponto de partida; passeio pela apropriação, bordados, gravuras, decalques e criação de objetos tridimensionais. Atualmente, meu processo de criação é híbrido: dialoga com os objetos do meu cotidiano – a vida no interior, a natureza, as fantasias, sonhos –, soma-se com o ato de desenhar/bordar/criar regularmente e se completa com a reunião desses.

Rodrigo: Meu processo se dá de uma forma aleatória e também através de conexões que faço com a literatura, música, cinema… Sou também um colecionador de imagens que pesquiso diariamente. Estas muitas vezes servem de base para minhas criações. O processo parte de fazer “colagens” dessas imagens criando composições e algum tipo de narrativa entre as mesmas.

Rick Rodriguez – Série [quase] um lar para habitar

FTC: Quais as influências que estão por trás do projeto?

Fábio: No bordado especificamente, comecei seguindo o bordado português dos lenços de namorados, que é uma tradição do norte de Portugal. Na arte em geral, sempre penso que tenho mais influências de meios como o cinema e a música e do cotidiano do que da própria arte. Naturalmente, tudo que observo pode acabar indicando rumos e gerando novas ideias e projetos.

Rick: Quando decidi me desvincular de instituições e mergulhar nas pesquisas em ateliê, todo o cotidiano passou a me interessar para a produção de arte, inclusive, as fragilidades desse. No entanto, me deleito no universo da fantasia e afetividade, buscando respaldos, principalmente, na literatura.

Rodrigo: As influências estão na própria tradição do bordado e nas discussões de gênero, mais atuais do que nunca. Especificamente no meu caso unir essa tradição às questões que também envolvam afetividade e sexualidade. Além do trabalho dos meus colegas e como o meu se contamina, em ótimo sentido, com o trabalho deles, sendo diferentes e próximos ao mesmo tempo.

Rick Rodriguez – Série [quase] um lar para habitar

FTC: O que desejam passar para o público?

Almofadinhas: Se pudermos promover ou renovar o debate sobre os estereótipos sociais, e assim provocar a tradição ocidental patriarcal, arraigada à ideia de que esta é uma atividade artesanal do campo feminino, doméstico e de importância inferior, ampliando as discussões sobre questões de gênero, afetividade, memória e sexualidade, acho que já teremos cumprido um belo e importante objetivo.

Rick Rodriguez – Série [re]pouso

FTC: Vocês sentem algum tipo de resistência ou preconceito por serem homens e fazerem bordado?

Almofadinhas: Em nossos dias, homens que bordam certamente não são mais novidade no meio artístico. Bispo do Rosário e Leonilson produziram uma imensa obra baseada em, entre outros meios, bordados. Porém, fora deste meio, ainda vemos desde narizes torcidos até reações mais violentas ao fato de que há homens que bordam, ou que tem como base de seus trabalhos atividades entendidas como “femininas”.

Fábio Carvalho – Monarca

FTC: O que dá mais prazer nesse trabalho? E o que dá menos?

Fábio: O que me dá mais prazer é fazer algo que adoro, poder me expressar, construir um discurso. Quando esse discurso afeta ou é apropriado por uma outra pessoa, a sensação de missão cumprida é fantástica. O que dá menos prazer é a total falta de respeito, espaço, valorização da cultura como um todo em nosso país; a ideia comum de que artista não trabalha, que faz seu trabalho por prazer e que por isso não precisa ser pago.

Rick: O grande prazer no meu trabalho é poder traduzir minhas inquietações. Desprazer são o descaso e o desmonte que a arte e as questões culturais sofrem diariamente.

Rodrigo: O prazer está quando você consegue atingir seu público, no meu caso, quando tenho retornos muito pessoais de algumas pessoas que viram meu trabalho e quando elas tomam o que criei para si e fazem conexões com o repertório de vida delas. O que me dá menos prazer é a não valorização do artista como um todo, como disse o Fábio.

Fábio Carvalho – Dor e Delícia

FTC: Que dicas vocês dariam para os homens que querem iniciar nessa área?

Fábio: Apenas se joguem, e comecem. Bordem! Sem medo, sem vergonha; não pautem suas vidas e suas atitudes em função do que os outros podem dizer ou pensar. É a sua vida!

Rodrigo: Encarem como qualquer outra linguagem artística. E pratiquem bastante.

Rick: Não se avexem! Munam-se de agulhas, linhas, tecidos, sacolas, tules, bastidores, tesouras, etc. E nos convidem para um café com bordado e conversa fiada!

Fábio Carvalho – Fado Indesejado

FTC: E agora, o que vem pela frente?

Almofadinhas: Após um ano do início do projeto, temos em vista a segunda exposição com uma residência artística no Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea ainda neste primeiro semestre. A partir disso procuramos outros desdobramentos em 2018, levando essa nossa discussão para outros lugares e mídias, através de editais e convites de espaços públicos e/ou privados. Estamos abertos a parcerias.

 Fábio Carvalho – Breves Desgenerificações

Você pode acompanhar o trabalho do Coletivo Almofadinhas através do seu site e pelas redes sociais do grupo no Instagram e no Facebook.

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