Cinco anos antes da famosa Teoria das Cores de Johann Wolfgang von Goethe, a artista inglesa Mary Gartside publicou seus pensamentos sobre o assunto mas, seu nome desapareceu da história
Em 1805, uma professora amadora de pintura e artista inglesa pouco conhecida fez o que nenhuma mulher antes dela tinha feito: publicou um livro sobre a teoria das cores.
Poucos detalhes da vida e da carreira de Mary Gartside sobreviveram, mas sua publicação sem precedentes An Essay on Light and Shade, on Colours and on Composition in General revela que ela era uma pessoa criativa e extraordinária para a época.
O livro apresenta uma abordagem da cor que, de forma bastante independente, chegou a muitas das mesmas conclusões que Goethe fez em Zur Farbenlehre (A Teoria das Cores) alguns anos depois, como “o efeito das combinações, o significado da luz, sombra em relação aos tons, o olho de quem vê como o centro, além da origem da percepção de cores”.
A publicação de Gartside foi também um dos primeiros textos a dividir as cores em quentes e frias e a se concentrar nos efeitos sensoriais e suas várias combinações.
Lançado como um guia particular e disfarçado de um manual tradicional de pinturas em aquarelas para “as senhoras que fui chamada a instruir na pintura”, o estudo de Mary Gartside em 1808 ganhou uma segunda edição, dessa vez com o nome de New Theory of Colours – and on composition in general : illustrated by coloured blots shewing the application of the theory to composition of flowers, landscapes, figures.
Acompanhado por uma série de imagens coloridas pintadas à mão, oito “manchas” de aquarela que parecem paisagens florais ampliadas, mais tarde foram reconhecidas como os primeiros exemplos de arte abstrata, antecipando as peças da artista americana Georgia O’Keeffe e Kandinsky em quase 100 anos.
NOVA TEORIA DAS CORES POR MARY GARTSIDE
Os experimentos de Isaac Newton inspiraram uma investigação mais ampla. A Teoria das Cores de Goethe de 1810 estabeleceu um padrão — visual e filosoficamente — para os livros sobre cor nos séculos seguintes. Mas as manchas abstratas no livro de Gartside durante um século inteiro, e muito antes da pintura não figurativa se estabelecer nas telas mais conhecidas de artistas como Wassily Kandinsky e Piet Mondrian, fizeram sucesso.
Intituladas, por sua vez, de “branco”, “amarelo”, “laranja”, “verde”, “escarlate”, “azul”, “violeta” e “carmesim”, seus experimentos mostram os vários graus de saturação, conforme explica a historiadora de arte Alexandra Loske em seu estudo recente Cor: Uma História Visual. Alexandra ainda conta que o estudo obscuro de Mary é “um dos livros mais raros e incomuns sobre cor já publicados”.
Como Goethe, que vinha desenvolvendo suas ideias há décadas, Mary Gartside parecia silenciosamente determinada a recalibrar a concepção e estudar as ideias de Newton do espectro de cores que compõe a luz branca e adaptá-las à pintura.
No prefácio, Gartside se dirige aos leitores como seus alunos e, portanto, parece ficar dentro do que era aceitável e possível para uma mulher escrever e publicar um livro no início do século XIX.
Talvez a história fosse diferente se o trabalho estivesse disponível para contemporâneos e sucessores
“Não há outro exemplo de representação de sistemas de cores”, diz Alexandra Loske, “que seja tão inventivo e radical quanto as manchas de cores de Gartside”.
Loske descobriu que Gartside é “uma das únicas mulheres do século XIX a ter composto ‘tratamentos teóricos sobre cor'”, como escreveu ao Public Domain Review. Quase um século depois, Emily Noyes Vanderpoel publicou o conhecido Problemas de Cor (1902)“.
O que faz com que Mary Gartside se destaque entre os livros ilustrados sobre cor e pintura publicados em seu período são as oito “manchas” coloridas que ilustram suas ideias sobre a combinação de tons harmonizantes e contrastantes.
As tonalidades seguem aproximadamente o espectro prismático de Newton em termos de divisão em sete tonalidades, embora com nomes diferentes. A estes Gartside acrescenta o branco, na sequência das cores.
UM POUCO DA VIDA DE MARY GARTSIDE
O pouco que sabemos sobre a vida e a carreira de Mary Gartside pode ser comprimido em poucas frases.
Nascida em 1755, talvez em Manchester, ela ensinou mulheres a pintar aquarela em Londres e conseguiu mostrar suas próprias obras de arte, pinturas de flores em aquarela, em pelo menos três ocasiões entre 1781 e 1809.
Uma vez na Royal Academy (1781), no Jardim Botânico em Liverpool em 1784 e nos Artistas Associados em Aquarela em Londres em 1808. Mary Gartside morreu perto de Ludlow em 9 de dezembro de 1819, aos 64 anos.
Gartside publicou três livros sobre cores em sua vida, entre 1805 e 1808, todos que traziam a teoria das cores e sua aplicação na arte da pintura em aquarela.
Ao contrário dos românticos de seu tempo – e como os modernistas de duzentos anos depois – Mary Gartside enfatizou a importância da compreensão teórica e inspirava as pessoas ao estudo:
“Só direi que aquelas senhoras que estudam as regras da arte, garantem uma fonte incessante de prazer para si mesmas, que está sempre sob seu próprio comando… enquanto aquelas que buscam a parte prática sozinhas, não podem progredir sempre sem seu professor ou cópia.”
Somente através de um conhecimento da teoria das cores e psicologia, ela escreve com ousadia, poderia-se alcançar o “comando” da arte e torná-la sua, como certamente fez em suas ilustrações.
A artista, professora e teórica das cores deveria certamente estar ao lado dos grandes nomes na história.
Fonte: Carl Jennings, Open Culture, BBC.com, Brighton Museums,