Ela reduz o impacto do lixo no mundo com suas próprias mãos. Recicla, reutiliza, e o que não tem jeito, ela mesma cria. Em seus workshops, ensina a produzir os próprios cosméticos, todos feitos com ingredientes naturais. Conheça Cristal Muniz e seu projeto Um Ano sem Lixo!
Seus guardanapos são de pano, dispensando a papelada jogada nos latões pelas ruas diariamente. Ao fazer compras, ela leva sua sacola de tecido e potes de vidro que serão recheados por comidas a granel, além de possuir o seu próprio copinho reutilizável e compacto.
Cristal Muniz é catarinense, trabalha como designer, tem apenas 25 anos e uma maturidade que ultrapassa o pensamento egoísta e consumista da nossa sociedade, afogada nas poluições do capital.
Há dois anos ela decidiu viver uma vida sem desperdício, produzindo o mínimo de lixo possível, baseada em um estilo extremamente sustentável, consciente e amoroso com a humanidade e o meio ambiente. Com ela, a gente aprende que, hoje em dia, só não cuida do planeta e de si mesmo quem não quer.
Para alguns, sua atitude pode parecer um tanto quanto radical, mas isso pode ser apenas reflexo do comodismo ou talvez, uma interpretação superficial.
Na verdade, é tudo muito simples: trata-se da urgência de medidas ecológicas com a natureza na qual habitamos. Força de vontade não pesa no bolso de ninguém.
Muito curiosos, conversamos com ela para saber um pouco mais sobre como tudo isso começou e como é o seu dia a dia. Confira a entrevista exclusiva e incrivelmente informativa que Cristal deu ao FTC:
FTC: Gostaríamos que contasse, com as suas palavras, um pouco sobre você e como chegou até o estilo de vida sustentável e consciente.
Meu pai é artista plástico e sempre trabalhou com matérias-primas que vinham de sobras e lixos. Ele sempre foi o rei da reutilização, do reuso, da reciclagem, de brigar sobre a separação do lixo. Sempre tive esse olhar, sempre achei incrível o que ele fazia com as coisas que antes não valiam nada e se tornavam algo.
Antes do ‘Um Ano Sem Lixo’ pedi um colar de presente de formatura, que ele fizesse. Ele criou utilizando cacos de blindex verde-água. Ficou lindo e ninguém acreditava que era vidro quebrado. Acho que ele sempre foi meu norte nessa questão.
Mas eu lembro de, desde pequena, me incomodar muito com lixo e sustentabilidade. Morava numa cidade super pequena que não tinha coleta seletiva, ficava frustrada em não poder separar. Tive uma professora de geografia até a 5ª série, a Clerbis, que vivia falando sobre sustentabilidade. Que os alunos dela mais pobres encapavam os livros com sacos de arroz. Eu ria como todos os meus colegas, mas tenho certeza que ela foi essencial para mim.
Sempre fui uma pessoa que curtia o mais natural, o menos industrializado, que separava o lixo do condomínio quando via que estava misturado, que cobrava a síndica sobre o dia da coleta seletiva, mas não sabia muito bem o que fazer com o excesso, que eu achava muito depois que fui morar sozinha. Foi quando eu descobri o blog da Lauren, o Trashis For Tossers que deu aquele clique. Era aquilo que eu queria e estava procurando sem saber o tempo todo.
Decidi que ia aprender a viver sem lixo também, que nem ela. E assim, criei o blog Um Ano Sem Lixo porque achei que se assumisse um compromisso, não ia falhar. E aí foi rolando! Mas logo fui descobrindo que só reduzir as sacolinhas de lixo não era suficiente. E aí entrei de cabeça no mundo da beleza natural.
Hoje faço meus cosméticos, dou workshops a respeito, passei a tentar comer o máximo de orgânicos possíveis, mudei muitos hábitos, parei de comprar roupas em fast-fashions e lojas “made in china”.
FTC: Há quanto tempo vive o desafio de produzir o mínimo de lixo possível?
Desde dezembro de 2014 / janeiro de 2015. Faz agora quase 2 anos!
FTC: Quais têm sido os maiores obstáculos?
Acho que tem dois grandes problemas: o mundo e nós mesmos. O mundo porque existem cidades que não têm coleta seletiva, sei que mesmo que eu separe o lixo, a maior parte não vai ser reciclada, não tem loja com tudo o que preciso sem embalagem, etc e tal.
E eu mesma, porque às vezes dá preguiça e você quer pedir um delivery que vem com muito lixo. Como tudo é “mais difícil” de fazer, precisa ter motivação. Dá uma sensação muito boa de criar o próprio sabão em pó, mas também requer sair da inércia. E essa mudança de hábito nem sempre é tranquila. Que dirá naqueles dias que você virou a noite terminando um freela, a cachorra vomitou, a gata está no cio e você de TPM (rs).
FTC: Poderia explicar o porquê da urgência em deixar de produzir lixo?
Olha, simplesmente porque o mundo não aguenta mais. A previsão é que em 2050 tenha mais plástico do que peixes nos oceanos. Quer dizer que estamos fazendo tudo errado, basicamente.
A onda dos descartáveis que começou nos anos 50/60 só aumentou e hoje em dia a gente vive esse frenesi em que até as roupas passaram a ser descartáveis. É muito insano. Precisamos reduzir o lixo, as químicas, tudo porque o mundo não aguenta mais. E esse mundo não é lá longe como a maior parte das pessoas pensa.
É logo ali: no crime ambiental que foi o desastre de Mariana – MG; no aumento do número de câncer de mama ligado ao alumínio dos desodorantes, no aumento do número de alergias por conta de parabenos e sulfatos de cosméticos. Já tem um percentual considerável de peixes que têm plástico na ~composição~.
Tem seca onde sempre choveu, tem falta de água em São Paulo. Tudo isso é reflexo de não pensar no meio ambiente como nossa casa, e sim uma hospedagem. Como se a gente pudesse fechar a porta e ir para outra mais novinha e limpa.
FTC: Além do projeto Um Ano Sem Lixo, está desenvolvendo algum trabalho paralelo ou parcerias?
Eu nunca deixei de trabalhar. Sou designer gráfica e atualmente trabalho de casa, fazendo freelas. Mas no assunto do blog, dou palestras sobre minhas experiências e workshops de beleza natural.
Barrinha de hidratante natural
FTC: Qual o maior aprendizado desde que iniciou a experiência de uma vida sem desperdício? É possível não desperdiçar absolutamente nada?
É possível tentar ao máximo não desperdiçar absolutamente nada. Desperdício é quando você joga fora ou não usa algo que está bom para isso ainda.
Se você vai contra isso, já está fazendo diferente da maioria das pessoas. A gente tem uma relação com as coisas que faz com que tenhamos demais e usemos de menos. É a lógica do capitalismo, né? É só não comprar nada que você não vai usar por um tempo para perceber o quanto a gente desperdiça (inclusive nosso dinheiro).
Olha, o maior aprendizado é difícil de pontuar uma coisa só. Acho que o principal foi ver como é possível, é só quebrar as amarras que a sociedade criou na gente. Questionar, fazer diferente, inverter.
FTC: Você compra a maioria da sua comida a granel. Como faz com os alimentos embalados?
Atualmente não tenho conseguido comprar muitas coisas a granel por questões logísticas. Mas, o que preciso comprar embalado, compro embalado. Mas evito ao máximo. Frutas e verduras, tudo o que é de feira, por exemplo, compro sem nenhum saquinho. Levo tudo na minha própria sacola.
FTC: Muitas pessoas acreditam que um estilo de vida no qual é preciso fazer tudo com as próprias mãos, ao invés de simplesmente comprar produtos prontos nas prateleiras, ou jogar restos no lixo, gasta um tempo maior do dia. Você concorda?
Requer um esforço maior sim. Mas essa lógica é muito simplista, porque a estamos só contando o nosso tempo e não da cadeia toda. E mesmo assim, muitas vezes dá no mesmo, o tempo. Eu cozinho sempre em casa e acho que comprar comida pronta/delivery é rápido na hora, mas depois tem muito mais sujeira para limpar e lidar. É meio que uma balança.
O lance é que a gente não precisaria fazer tudo em casa se tivessem mais lojas e marcas de certos produtos que vendessem de formas mais sustentáveis, com menos lixo, a granel. Mas quanto tempo a gente gasta para ir ao mercado fazer compras? Eu gastava horas por semana.
Hoje em dia vou 1x por semana e olhe lá! Demora nem 3min para fazer a pasta de dente, uns 10min pra fazer o sabão em pó. O problema é menos o tempo gasto e sim a preguiça, eu acho (rs).
FTC: Fica mais caro?
Acho um tanto controverso isso. Nos meus posts eu quase sempre mostro como opções naturais são mais baratas (em todos os aspectos). O problema é que existe uma gourmetização do sustentável.
Muitas marcas usam esse discurso para cobrar muito mais caro várias coisas que não precisariam ser mais caras (muitas até usam o greenwashing, que é mentir que o produto é verde quando nem é tanto assim).
Aqui em Floripa as lojas a granel cobram muito mais caro umas coisas, tipo arroz e feijão. Isso complica a vida.
Mas a lógica não é trocar todos os seus produtos por versões “verdes”. A lógica é comprar menos, comprar menos comida, menos roupas, menos cosméticos, menos produtos de limpeza. Eu troquei 4 produtos para o cabelo por só um xampu.
Troquei uns 6/7 produtos de limpeza por apenas 3 coisas que faço os produtos de limpeza. Troquei jogar comida fora toda semana por comprar só o que vou comer. Assim eu gasto muito menos. Mesmo que individualmente algumas coisas sejam mais caras, mas a longo prazo é menos sim.
FTC: Produzindo seus próprios cosméticos, qual a mudança mais significativa que você sentiu na sua pele e nos seus cabelos?
A maior mudança foi entender como minha pele e meu cabelo são. Antes eles viviam com tantos produtos que eu achava que era muito oleoso ou seco demais. Hoje eu tento não usar nada além de hidratante no rosto o máximo de dias que consigo. Como trabalho em casa, é super possível.
No cabelo, só lavo com xampu em barra. Aprendi que ambos são bonitos se forem bem tratados e que, limpar demais estraga eles!
FTC: Como é possível ter uma rotina de beleza apenas com materiais sustentáveis?
Vou deixar um link bem interessante sobre uma rotina de limpeza natural para o rosto aqui. Vale a pena ver quem está em busca disso.
Mas, para resumir: fazer seus próprios cosméticos a partir de óleos vegetais, óleos essenciais, argila, aloe vera, é o melhor jeito de reduzir o lixo, de se reconectar com o próprio corpo, de usar menos embalagens, de saber exatamente o que você está colocando na sua pele, de sempre ter produtos fresquinhos.
Como fazer seu próprio hidratante natural
FTC: Com o que (ou quem) você se inspira?
Nossa, tanta gente! Mas eu fiz um post sobre as mulheres que mais leio e acompanho. Além disso tem minha amiga Naiara, do blog Pedal Glamour, a Mari Pelli, do Roupa Livre. E todos os leitores do blog que interagem comigo, principalmente o povo do grupo no Facebook. Eles são maravilhosos!
FTC: Quais fontes de estudo você considera confiáveis para colocar em prática a redução do próprio lixo?
Na internet tem bastante coisa, viu? O site e-cycle é super legal, o ewg tem uma base de consulta sobre químicos para saber se eles são potencialmente nocivos ou não.
A Bea Johnson tem um livro que chama Zero Waste Home que vai ser lançado em português muito em breve. Os blog da Lauren e da Bea são os que mais leio, mas tem muito sobre zero waste na internet hoje em dia.
FTC: Sua atitude é, sem dúvida alguma, extremamente inspiradora. Poderia dar algumas dicas para quem quer começar um estilo de vida “zero-lixo” e não sabe por onde?
1- Leve sempre um guardanapo de pano na bolsa. Para se limpar, guardar e pegar comidas sem embalagem.
2- Leve sempre um copinho na bolsa! Tem versões retráteis super legais, mas pode ser um potinho de vidro tipo de palmito mesmo.
3- Troque a esponja de plástico que não pode ser reciclada por uma bucha vegetal que pode ser compostada.
4- E, falando nisso: tenha uma composteira! É um método bem simples para decompor o lixo orgânico, requer poucos cuidados e reduz em mais ou menos 50% o lixo da sua casa!
5- Especial para as meninas, mas: coletor menstrual para evitar os absorventes descartáveis! É muito melhor de usar, lidar e não produz lixo.
FTC: Cite 5 coisas que não consegue viver sem.
Do mundo lixo zero: guardanapo de pano, copinho retrátil, bicarbonato de sódio, vinagre e óleo de coco.
Do resto do mundo: livros, listas para organizar tudo, roupa de cama bonita/cheia de edredom e travesseiros, sol e café-da-manhã caprichado.
FTC: Um filme, uma música e um livro que poderiam lhe descrever.
Filme: fiquei muito na dúvida entre “Amélie Poulain” (minha carinha), “Medianeras” (amo de paixão) e “O Ninho Vazio” (meu filme favorito).
Música: “Fleetwood Mac” – Heroes are hard to find (minha preferida, mas a letra não tem muito a ver com a minha pessoa haha)
Livro: “Só Garotos”, Patti Smith (apesar de não ter muito a ver comigo, é um dos meus livros favoritos).
Kit de higiene da Cristal
FTC: Uma frase da sua vida.
Cristal: “Comparison is the thief of joy”.
Este copo reutilizável você compra no site do projeto Menos 1 Lixo
Acompanhe Cristal Muniz seguindo seu perfil no Instagram, ficando de olho nas novidades do site Um Ano Sem Lixo ou pela página do Facebook.