Julio Lisboa cresceu em meio a tintas e letreiros. Seu pai sempre trabalhou (e atua até hoje) com pinturas de fachadas, letreiros e ilustrações em paredes. Além disso, quando criança, algo que contribuiu muito para seu interesse nas artes foi a assinatura semanal dos gibis da turma da Mônica feita por sua mãe. Receber gibis novos em casa pelos correios toda semana era algo fantástico para ele.
Isso o incentivava a desenhar e a criar suas próprias histórias em quadrinhos. Em suas HQ’s, os protagonistas eram seus cachorros. Com um pouco mais de idade, Julio começou a se aventurar pelo mundo dos super-heróis como Superman e X-man.
Ao olhar para seu passado, o artista conta que ser tatuador nunca havia passado por sua cabeça. Mesmo carregando o sonho de viver de seus desenho, foi somente em 2018, aos 33 anos, depois de 16 anos como CLT, que deu início a essa jornada.
Eu trabalhava como engenheiro em uma multinacional em Campinas, estava desanimado com o mundo corporativo ao qual eu estava inserido. Havia trabalhado ¾ da minha vida pra chegar onde eu estava, e quando alcancei o que almejava, eu não me sentia feliz. Até que um dia, me veio o pensamento de que eu nunca havia me dedicado de verdade para alcançar o maior sonho da minha vida, que era o desenho, seja como fosse esse desenho. Comecei sozinho em casa, sem a ajuda de ninguém. Alguns amigos estavam dispostos a serem minhas ‘cobaias’ e a internet me ajudou com algumas informações que eu colhia assistindo raros vídeos pelo youtube, da época.
Nessa mesma época, um amigo que estava começando a tatuar o incentivou a começar também. Até então, Julio nunca havia visto uma máquina de tatuagem em sua frente. As planilhas de excel passaram a não ter mais foco, e quando resolveu se jogar de cabeça, fez com energia, paixão e anseio de encontrar o que o completaria pra vida.
Com traços refinados e originais, linhas pretas e uso de hachuras, Julio Lisboa é inspirado por gravuras renascentistas como as de Albrecht Dürer, mitologia, arte clássica, brutal e obscura. Assim, suas obras transmitem força, sutileza e um expressionismo único. Confira um pouco mais de sua trajetória nesta entrevista exclusiva:
Entrevista com Julio Lisboa
FTC: Como você define a sua arte?
Acredito que todo artista deva ter dificuldades em se enquadrar em algum estilo, pode parecer clichê, mas no meu ponto de vista, dar um nome a esse emaranhado de coisas internas é sempre difícil, quiça impossível. Atualmente eu uso a técnica de hachura em meus trabalhos, mas não gosto de me rotular por isso. Uma definição vaga, para minha arte seria a criação em linhas, já que percebi que eu gosto de enxergar o mundo através de traços. Você pode ilustrar tudo com o uso de linhas e pontos – e eu acho isso fascinante.
FTC: Com o que você se inspira?
Todo artista tem seus artistas favoritos, eu obviamente tenho os meus; Gustave Doré, Albretch Duher, Claude Paradin, são alguns destes nomes. Minhas formas de inspiração veem a tona de infinitas maneiras, um filme, uma música, um livro, uma conversa com alguém, tudo pode, e tem o poder de inspirar. Mas uma fonte, na minha opinião, inesgotável de inspiração, é a natureza. Eu amo a maneira que tudo nasce, morre, transcende e continua belo.
As infinitas texturas. Gosto muito também de anatomia humana, e me inspiro na “Jornada do herói”, os infinitos processos de Metanoia que vivemos e vemos viver. Pode parecer clichê também, e eu amo clichês, mas estar vivo e podermos começar um novo dia é sempre inspirador pra mim, o poder da vida é tudo que temos, e não precisamos de mais nada. “Só” precisamos estar atentos, e observar os sinais das boas novas, apesar de tantos problemas que temos, elas estão em todo lugar.
FTC: Qual foi sua primeira tatuagem em um cliente?
Após meu pedido de demissão em 2018, coloquei todas minhas economias no banco, e calculei que poderia viver um ano praticando tatuagem sem ganhar nada com isso, que eu conseguiria; sem luxo algum, (nem poder comprar uma pizza eu poderia), sobreviver. Então tive o que mais me ajudou na época: Tempo e MUITA disposição. Comprei um estoque de materiais de tatuagem, montei um estúdio improvisado – mas cheio de paixão, na sala do apartamento, e convidei meus amigos e parentes próximos para ganharem tatuagens de graça, afinal de contas eu precisava praticar.
Uma dessas pessoas era um amigo meu que estava desempregado, e que dia sim, dia não, ia na minha casa. Seu nome é Israel, e a primeira tatuagem que eu fiz, foi nele, o desenho de um crânio com chifres. Tatuamos o pé, e apesar de ser um local difícil, até que saiu melhor do que eu esperava. Foi uma sensação de adrenalina, medo, e ao mesmo tempo como se um novo mundo despertasse pra mim. Eu estava começando, sem ter a mínima ideia de onde iria parar, a viver o meu mais intrínseco sonho; o desenho.
FTC: Está tocando algum projeto especial ou específico atualmente?
Estou realmente inspirado e empolgado numa série de telas as quais estou pintando, algumas ideias ainda são um pouco nebulosas e não as tenho definidas, mas estou trabalhando numa “coleção de obras” as quais eu quero tentar contar uma história, de ressignificação do ser humano, sentimentos e virtudes. Hoje o nome dessa “exposição” a qual estou trabalhando é Metttanoia, mas como disse, ainda está tudo muito cru e em fase de criação. Definitivamente é algo que estou muito inspirado em deixar fluir.
FTC: Uma frase que vc tatuaria/ leva para a vida
Eu tenho várias frases as quais eu tatuaria, carrego na minha “biblioteca mental” para vários momentos específicos da minha vida. Mas definitivamente para a minha trajetória na arte e na tatuagem, a frase que mais faz sentido pra mim seria: “Siga seu coração”. É poético demais para mim. Em muitos momentos da minha vida dentro da arte, eu me ancorei e tive energia pra enfrentar os medos sabendo que minha coragem estava sendo pautada por isso.
A vida é muito curta para não seguirmos nosso coração.
Acompanhe o trabalho de Julio Lisboa em seu Instagram!