Os primeiros contatos com a câmera vieram através das máquinas analógicas herdadas de seu avô, que era um entusiasta da fotografia. Através delas, Marcelo Santos Braga começou a sua experimentação, já que sempre foi muito ligado ao desenho e ao grafite, assuntos que antecedem a curiosidade da arte.
No grafite, o que sempre o motivou era a direta interação do observador e a obra, no espaço mais democrático que temos: a rua. “As ruas tem todos os seus imprevistos e você acaba conhecendo gente e presenciando fatos incríveis”. Marcelo passou a levar a câmera consigo, para registrar os lugares por onde passava e as pessoas com quem tinha contato.
Hoje, anos depois, ele continua a fazer isso, mas não depende mais da arte de rua para se expressar. Vai atrás do que o instiga e tenta através da fotografia, mostrar um pouco de suas ideologias sobre o que nos cerca.
O que mais lhe fascina é a força do momento registrado. Como toda a arte, as fotos são uma linguagem universal. Rompem as barreiras da língua. Acham o belo e o sublime em situações inesperadas, além de serem um ótimo exercício de humanidade. Sem a fotografia, Marcelo acha que não seria capaz de se expor tão bem a sua personalidade. Quem ele realmente é e o que busca nessa vida.
Especialista em retratos em preto e branco, o fotógrafo capixaba acaba de sair de sua zona de conforto e inaugurar uma exposição em São Paulo cheia de cores, na galeria ArtShot – especializada em FotoArte democrática.
Seu ensaio com imagens ousadas e exclusivas, chamado + Cores, nasceu após um amigo ter sofrido racismo. Marcelo então convidou o amigo negro, um casal de lésbicas e outras pessoas para serem fotografadas cobertas de tintas. Através de sua nova série, ele questiona a atitude de julgar as pessoas pela aparências e o preconceito que temos por uma certa estética.
O resultado final é realmente incrível. Conversamos com o artista para saber um pouco mais sobre suas inspirações. Confira:
FTC: Marcelo, queria que você falasse um pouco sobre você com as suas palavras e como chegou até a fotografia.
Sou tantos, acho que isso pode explicar um pouco mais sobre quem sou. Imprevisível, desde sempre e questionador do que me cerca. Talvez seja ai onde a fotografia se estabeleceu na minha vida. Foi a ferramenta mais direta que eu encontrei para dar voz as minhas inquietudes. A fotografia na minha vida surgiu por acaso durante a faculdade de design, que eu cursava na época. Eu era jogador profissional de basquete, aqui no Rio de Janeiro e cursava design na faculdade.
Num dos trabalhos que desenvolvi, tive mais conhecimento sobre a fotografia, e isso me chamou a atenção, e me fez decidir entrar na graduação de fotografia oferecida por uma faculdade. Nessa época, minha vida se tornou uma loucura. Eu jogava profissionalmente basquete, estudava pela manhã fotografia, treinava basquete a tarde e a noite eu ia pra faculdade estudar design. No meio disso tudo, eu tinha uma namorada, que foi fundamental pra que eu desse sequência no curso. Me formei usando uma câmera que era dela. Engraçado lembrar disso, pois faz 10 anos que a fotografia entrou na minha vida e desde então, e quem me acompanha. E talvez seja a relação mais difícil que eu tenho, pela responsabilidade de me expressar através da imagem.
FTC: Qual a influência das cores nos seus trabalhos?
As cores no meu trabalho tem uma influência de experimentação. Quando iniciei a carreira, eu me concentrava na fotografia “preto e branco”. Mas por um período, estudei bastante o trabalho do Steve McCurry e me encantei pela poesia que elas transmitem. Foi fundamental pra assumir uma linguagem de experimentação das cores na fotografia. Essa experimentação foi fundamental pra ampliar minha “voz” e não me limitar a apenas uma linguagem.
Como disse anteriormente, tá no meu instinto a inquietude, se eu continuasse me limitando apenas ao preto e branco, eu estaria me privando de mim. Por um bom tempo relutei em entrar nas cores, até porque é difícil demais você dar sentido a uma imagem em cor. Elas podem arruinar uma narrativa. Na fotografia preto e branco, por exemplo, acredito que já chame a atenção de quem a percebe, pois não enxergamos preto e branco. Tudo tem cor! E temperatura de cor, foi a única matéria que repeti na época da faculdade, pra você ter uma noção. As cores sempre me assustaram, talvez seja uma questão de buscar entendê-las melhor.
FTC: E nesse projeto em especial?
No projeto +Cores, foi uma busca de desconstrução à partir das cores. Uma pegada mais política e social. Busquei usar as cores para chamar a atenção mesmo. Algo gritante ali. Tem cor em tudo que é canto. Foi um projeto que se construiu em etapas, até chegar a uma completa desfiguração de uma forma humana. Queria questionar com esse projeto, qual e o padrão certo de um ser humano. Na minha concepção, não há, e diariamente todos nos passamos por preconceitos e desaprovações, seja da maneira de nos vestirmos, ao tom de pele, entre outras tão absurdas – que somente quem viveu algo relacionado a isso, sabe a dor que se sente internamente.
Por isso a escolha de fazer esse projeto em cores. Se eu o fizesse em preto e branco, daria uma dramaticidade maior, sem dúvidas, mas as cores vieram pra somar uma leveza ao tema. Muita gente me conhece por alguns trabalhos de reflexão forte, e ouvi diversas vezes de conhecidos e desconhecidos “seu trabalho é lindo, mas não consigo ver por muito tempo, pois e muito ‘pesado”. As cores nesse projeto serviram perfeitamente para eu continuar a dar voz ao assunto abordado, mas que teria uma aceitação mais leve.
FTC: O que é arte para você e como você definiria a sua arte?
Arte pra mim é tudo aquilo que se expressa através do indivíduo. Independente do meio que ele utilizar para transpor suas inquietações mentais. Por isso, acho ela fantástica. Poderia falar horas sobre o assunto, desde técnicas ao poder da cura pela arte. Arte sempre será meu assunto favorito. Quando mais jovem eu tinha um apelo rebelde através da arte. Pelo grafite, foi o que me levou a buscar essa linguagem, mas com o tempo, essa rebeldia foi ganhando novas orientações. Eu dentro do meu trabalho tento estar sempre aberto as tentativas, erros e acertos. Cada trabalho tem uma linguagem diferente, gosto disso. Vai muito do momento que estou vivendo.
FTC: Com o que você se inspira?
Me inspiro com leitura, conversas, notícias, pinturas. Conhecer o novo, culturas, tentar entender cada vez mais as diferenças que vivemos no mundo e aceitá-las. Isso tudo me inspira. Ultimamente tenho gostado de transitar sempre que possível pelas ruas, observando os “gritos dos muros”. Tenho notado uma crescente onda de frases tipo pichação nas paredes dos grandes centros e acho fantástico. É praticamente uma rede social.
Leio bastante o que está nos muros, pois são escrituras modernas de pessoas que eu nem conheço, gritando suas angústias. Me remete a essa liberdade de expressão das ruas. Que uma forma é proibida, que é a pichação e a outra permitida, que são as escrituras dos outdoors, dos letreiros, das fachadas de loja, que geralmente falam “compre, compre, compre”.
Isso me inspira, me faz pensar bastante sobre muita coisa. Mas, como já disse, depende muito do momento. Tem momentos que prefiro me isolar, esquecer arte, estar com amigos que não entendem quase nada sobre arte. Se eu tivesse que escolher o que mais me inspira na fotografia, diria que sem dúvida que é a fotografia documental, de narrativas e preservação da memória de uma região ou cultura. Acho fantástico e de um valor imensurável a forca da fotografia documental.
FTC: 5 coisas que não consegue viver sem.
Minha Família, meus amigos, música, fotografia e conversa fiada no bar.
No Facebook: /fotosmarcelosantosbraga. A Galeria ArtShot no Shopping Morumbi em São Paulo traz as obras fotográficas de Marcelo Santos Braga em um ensaio com fotos exclusivas. Vale a pena a visita!
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