Usando a técnica de papercutting, artista brasileira Ariádine cria fantásticas esculturas em papel minuciosamente recortadas
Papel e estilete de precisão em mãos. A habilidosa artista brasileira Ariádine Menezes transforma o improvável em obras de arte delicadamente cortadas. Ariádine mostra o melhor de seu trabalho por meio da técnica chamada Kirie, também conhecida como papercutting. Além disso, estêncil e ilustrações a completam.
A santista, que tem 32 anos, apesar de nunca ter se formado em arte, sempre trabalhou com o lado mais criativo. Começou ao estudar jornalismo, foi redatora, parou, trabalhou com fotografia e depois disso decidiu sair pelo mundo. Foram 3 anos entre Europa, Turquia e na maior parte do tempo Índia, aberta pra se aventurar e entender melhor o que queria de sua vida.
Do trabalho com as fotos, passou a fazer colagens que com o tempo tinham recortes cada vez mais detalhados. “Sempre gostei de práticas de repetição, aperfeiçoamento, de obsessividade e obstinação em processos. Comecei a usar tesourinhas cirúrgicas nas colagens e quando busquei online trabalhos parecidos conheci o estilete de precisão que me fez abandonar todo o resto e o assumir como minha ferramenta principal, unido apenas ao papel.”
Ao explorar lugares novos e novas técnicas, e ao vivenciar experiências diferentes, Ariádine teve esse insight que a influenciou a dedicar-se ao trabalho manual, que fortemente é valorizado no oriente, e onde também são utilizados como processos meditativos e maneiras de desacelerar um pouco a vida e a mente.
Pensando em tudo isso, conversamos com a fantástica artista para saber um pouco mais sobre suas inspirações. Confira entrevista exclusiva e algumas de suas obras:
FTC: Ariádine, há quanto tempo cria e qual seus materiais preferidos?
Especificamente com Papercutting, trabalho há 4 anos. Comecei produzindo séries próprias, encomendas, e depois o trabalho foi se expandindo para vitrines, cenografia, adereço e estêncil.
Além do estilete de precisão que tem lâmina 11 bem fininha, removível, adoro testar todos os tipos de papel e papelão. Costumo trabalhar com Colorplus 120g e agora venho experimentando bastante o Pergamenata 160g.
Recentemente me aventurei no linóleo para xilogravura, que dá um prazerzinho parecido de cortar e me desafia a usar o negativo/positivo de maneira diferente do que faço com os recortes em papel. Quero explorar mais.
FTC: Qual a influência das cores nos seus trabalhos?
Meu trabalho é muito branco e preto. Não porque eu não goste de cores, mas porque acho branco o clássico do papel, fica mais fácil a associação ao material. Mesmo quando a peça é utilizada num fundo branco, me agrada a confusão que pode causar.
Acho que o branco também vem do fato de eu descender de portugueses e na família termos muitos trabalhos manuais feitos em crochê nessa cor – toalhas, passadeiras, barrados – que passam as gerações. Gosto do papel parecer uma dessas peças, uma renda, ou se confundir com outros tipos de trabalhos manuais que usaram muito o branco tradicionalmente.
O preto vem pelo contraste, já que há obras mais figurativas em que gosto que o assunto fique mais visível.
É engraçado dizer isso, mas sinto que as outras cores não são utilizadas porque há possibilidades demais com elas e eu já tenho tanta vontade de experimentação só com recorte e com essas duas cores matrizes, que acho que ainda preciso de um tempo até adicionar um mundo tão vasto dentro de um processo em solidificação.
FTC: Está tocando algum projeto específico atualmente?
Atualmente estou trabalhando numa série chamada “Toque”, de recortes que abordam o prazer feminino, a mulher explorando o próprio corpo e se empoderando dessa maneira e na série constante “Busca”, que comecei em 2014 e a cada ano “atualizo” com peças explorando as minhas questões filosóficos e espirituais (rs).
Tem também o projeto “Dkyil Khor” que comecei em 2015 e quero retomar esse ano. Ele considera o super preciosismo que os espectadores sentem com a técnica do papercutting e convida-os a participar do processo da maior obra que esbocei até então, que tem como tema tudo aquilo que deu vida ao homem (universo, natureza, elementos orgânicos) e tudo aquilo que o homem criou.
A intenção é executa-la em forma de perfomance, conversando e trocando com os presentes sobre a técnica e sobre a importância do processo, independente do resultado. Essa obra depois de pronta será exposta em local público e desprotegido, para que seja deteriorada com o tempo, reiterando a prioridade no processo – assim como as mandalas budistas, (Dkyil Khor) feitas delicadamente de pozinhos, que são sopradas assim que finalizadas. Busco parceiros para esse trabalho no momento.
Fora isso, a ideia é continuar praticando, aprendendo e ensinando o papercutting (ou Kiriê como é chamado no Japão) para poder trocar com cada vez mais pessoas a respeito e levar a técnica para outras plataformas e lugares nesse mundinho. (Sim, a artista ministra oficinas pelo Brasil!)
FTC: O que é arte para você e como você definiria a sua arte?
Acho que criar é inerente à gente, aos humanos. É na nossa capacidade de nos adaptar através da criatividade que somos diferentes dos outros seres vivos e penso que toda vida plena acaba exercitando esse criar em algum setor, mesmo que não seja o artístico. Há o médico que cria, o professor que cria, a faxineira que cria. Isso independe da profissão porque fazer algo à nossa maneira, algo novo, é realizador.
Acho que a arte se encaixa nessa ânsia natural por criar, porém como maneira de digerir o mundo, acontecimentos e sentimentos e explicá-los para si mesmo, expressar-se, sem necessariamente ter um fundamento ou uma utilização.
A arte é uma grande ferramenta de auto-conhecimento. No meu caso foi tão assim que eu nem tenho muita coragem ou habilidade de julgar artes alheias. É possível falar de técnica, originalidade mas para mim, antes disso, arte é um processo pessoal que nem sempre entendemos olhando o resultado. E esse processo é tão enriquecedor no sentido de permissão e auto compreensão que essa talvez seja a maior mensagem que tenho vontade de passar – a de que todo mundo pode e deve criar, artisticamente ou não – como exercício para se entender e entender o outro.
Como um descarrego de toda a informação e acontecimentos que engolimos todos os dias. Como uma forma de dar ao mundo algo que só a gente pode dar, afinal de contas, ninguém tem exatamente as mesmas histórias, referências e loucuras.
Dito isso, a minha arte representa uma grande parte de quem eu sou… Não sonhei em cortar papel antes de fazê-lo, mas fui percebendo na prática artística o quanto a minha personalidade se dava com trabalhos desse tipo, que hoje tentam ser uma válvula transformadora de defeitos e posturas que eu tenho dificuldade em lidar em algum tipo de virtude.
Já materialmente falando, defino o que eu faço como algo quase invisível, tamanha falta do que tocar. Gosto dessa leveza e pouca importância que pode ser dado a um pedaço de papel, tão ordinário, mas que nesse caso tem tantas horas dedicadas nesse processo de me conhecer e entender o mundo.
FTC: Tem alguma frase que representa seu trabalho nesse momento?
Difícil pensar numa frase para o momento porque normalmente estou alternando em diferentes projetos, criando, cortando, mas também respondendo emails, atendendo, buscando trabalho…É uma roda que gira o tempo todo, e rápido.
“Mudança é a única constante”, talvez caiba.
E sempre levo comigo o “Feito é melhor que perfeito”, uma frase que incomoda os perfeccionistas, mas que me ajudou muito a não deixar projetos de lado e entender o valor do processo e do exercício criativo.
FTC: Com o que você se inspira?
Com o clássico de observar a natureza – plantas, mar, bichos – pessoas vivendo…Também com mudanças. Acho que toda vez que a gente sai da rotina, viaja, faz algo novo, aumenta a vontade de externar, porque também aumenta a quantidade de coisa que absorvemos.
Me inspiro com a ligação entre os fatos, atos. Gosto de enxergar tudo como um só organismo funcionando onde todas as ações e acontecimentos estão interligados e esse exercício também me dá muita vontade de criar.
FTC: Cite 3 artistas que você admira;
Acho que o primeiro grande artista que admirei foi o M.C. Escher. Quando eu tinha uns 17 anos vi um livro dos trabalhos dele na casa de um ex-namorado e achei muito impressionante que alguém pudesse ser tão criativo e tão matemático/exato ao mesmo tempo, sem muita tecnologia e sempre utilizando processos muito minuciosos. Depois conheci muitos outros nomes com essa habilidade, mas algo mudou ali no meu interesse por arte no geral.
Outro nome que me vem logo a cabeça é o da polêmica Marina Abramoviç, que admiro pela coerência criativa durante a carreira e pela competência em expandir a performance no mundo. Pude conhecer melhor essa forma de expressão e o trabalho de inúmeros artistas através dela e apesar de ser algo bem diferente do que eu faço, me admira a capacidade e exercício de estar de corpo e mente no momento presente, essencial para fazer performance.
Por último vou citar um artista de papercutting, Kako Ueda, que reúne a minúcia de recorte nas peças com originalidade de conceito e e diferentes maneiras de apresentar. A quantidade de informação no trabalho dele sempre me inspirou bastante.
Veja mais trabalhos de Ariádine em seu Tumblr, Behance, Instagram, Facebook.
Fique de olho nas próximas oficinas e aulas de Ariádine aqui.