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Ao invés de tinta, designer usa crochê para criar artes inspiradoras nas ruas de São Paulo

Karen Bazzeo mora em São Paulo há quase 6 anos. Formada em design editorial, ela trabalhou na área por bastante tempo, até entrar em uma crise profissional e começar a questionar todo o seu modo de vida. Onde gostaria de trabalhar e o que gostaria de fazer eram algumas de suas perguntas frequentes.

Ela então sentiu a necessidade de procurar algo que a satisfizesse de alguma maneira, mesmo que fosse um hobby. Foi quando começou uma busca muito intuitiva e sutil. Foi para a sua cidade natal no interior por uns dias e tentou encontrar coisas que costumava fazer quando criança e que gostava muito.

Fuçando em um baú antigo na casa de seus pais, encontrou várias peças de crochê que fez, desde a época em que era criança até sua adolescência, com a técnica ensinada pela sua mãe. Voltou pra São Paulo crochetando e não parou mais.

Aos poucos, foi encontrando um caminho e uma forma de se expressar também. Surgia aí, o DoloreZ CrocheZ, seu ateliê, que tem como missão, inspirar transformações artísticas, principalmente em espaços públicos. Karen conta que isso a levou a desprender-se da própria criação, deixando que ela se espalhe e tome rumos desconhecidos.

intervenção urbana com crochê dolorez crochez

Hoje, a artista espalha pela cidade, diversas instalações artísticas e participa de ações especiais utilizando o mesmo material. Entre as linhas e agulhas, um de seus projetos mais conhecidos é o “A rua é minha tela“, onde cria desenhos e/ou frases inspiradores em crochê e cola nos muros.

“A rua é minha tela, as linhas são minhas tintas: é quando me expresso, inspirada em alguns pensamentos, músicas,  sentimentos e tudo o que envolve o meu mundo. Das minhas mãos para as ruas.”

Conversamos com Karen para saber um pouco mais sobre suas inspirações:

FTC: Como surgiu a ideia da DoloreZ CrocheZ? 

O ateliê Dolorez surgiu de uma maneira bem natural e nada programada. Depois daquela busca interna que fiz, comecei a fazer crochê novamente, despretensiosamente. Então, retornei a Bauru (para visitar minha família e passar uns dias) e tive a ideia de colocar algumas malhas de crochê em algumas árvores, que estivessem em frente a lugares que foram especiais pra mim lá. Junto, prendi vários coraçõezinhos e uma placa: “Pegue 1 coração”. Assim surgiu esse meu primeiro projeto (#pegue1coração).

Esse projeto também tem muito a ver com o modo das pessoas olharem a cidade que habitam. Essa foi uma das formas que encontrei para que as pessoas não só parassem no meio de seu trajeto, mas interagissem e levassem um coração consigo. A interação e a ocupação do espaço público são os grandes aliados da intervenção urbana contemporânea, capazes de transformar os lugares que antes não eram tão notados ou que não eram ocupados em diversão. Uma oportunidade para o público interagir com afeto durante seu caminho.

Depois da primeira vez que fiz isso, muitas pessoas passaram a me convidar para eventos ou ações, como a Casa TPM, Projeto Poéticas Urbanas do SESC, Cantão, ações para lojas e também fiz o projeto no Nordeste, onde passei um mês viajando de mochilão.

Naturalmente o ateliê DoloreZ CrocheZ foi tomando forma e fui percebendo minha identificação com trabalho nas ruas. Junto com dois amigos grafiteiros (Felipe Primat e Julio Falaman), produzimos um mural em Pinheiros, onde o graffiti interagia com o crochê. Fiz roupas para os personagens e colamos nos muros. Esse projeto foi muito interessante, pois acabamos ficando muito tempo na rua produzindo e, com isso, a interação com as pessoas que passavam por ali foi muito maior.

É uma resposta que recebemos instantaneamente. Ter a oportunidade de conversar com diversos tipos de gente, de diferentes classes sociais durante o processo é muito enriquecedor. Essas conversas somam muito ao que já carrego comigo e acabo me inspirando mais e visualizando meus projetos futuros com uma maior amplitude.

A partir de então, passei a fazer bastante coisa. O principal hoje em dia é o “A rua é minha tela”. Onde, inspirada por músicas, poesias, pensamentos, entre outros, faço desenhos e frases e coloco nos muros dos lugares por onde passo.

Acredito que este projeto seja o mais importante, pois ele fala diretamente do que vem de dentro de mim para o público. Esse trabalho nos muros também é, de certa forma, interativo. O “Visceral” (coração com a pergunta “Onde teu medo dói?”), foi uma prova disso.

As pessoas que passavam pela rua onde ele estava instalado, tiravam fotos, me marcavam e respondiam a pergunta. Foi um jeito muito legal de obter respostas e saber que meu trabalho está provocando e cutucando algo muito profundo. Essa é a melhor recompensa.

FTC: Há quanto tempo cria e quais materiais utiliza? 

Tem quase dois anos que comecei as intervenções/instalações nas ruas. Uso sempre o crochê como forma de comunicação e recentemente estou começando a unir outras técnicas, como rendas.

FTC: Qual a influência das cores nos seus trabalhos? 

As cores me influenciam completamente. Já houve vezes em que desfiz trabalhos inteiros por não ter gostado das cores no fim. Sempre faço testes, misturo, costuro uma por cima da outra, muitas vezes faço no computador, mas não é sempre que consigo um resultado preciso. Na maioria das vezes é no “freestyle” mesmo! Normalmente tenho o costume de deixar tudo sempre muito colorido, mas tenho me disciplinado pra testar novas misturas e texturas também.

FTC: Está tocando algum projeto específico atualmente? 

Meu último trabalho foi o “Maresia”, onde fiz 7 ondas do mar pra colocar num muro, no Rio de Janeiro, junto com a poesia “Mar, metade de minha alma é feita de maresia”, de Sophia de Mello. Uma amiga que tem o projeto #meninarendeira fez algumas intervenções com tinta mesmo ao redor dele, o resultado final é bem legal!

“Naturalmente, quero expressar feminilidade. Tento sempre levantar essa bandeira nos meus trabalhos, expressando meus pensamentos e me posicionando. Estou com um algo pronto aqui, na procura de um muro ideal pra instalação. Trata-se de um ventre florido!”

FTC: O que é arte para você e como você definiria a sua arte? 

Difícil responder essa pergunta! Acho que arte é justamente o que não se pode explicar, definir. Eu me encontrei no crochê por enxergar nele minha forma de expressão. Percebi que minhas mãos tecem tramas de fios e sentimentos.

São elas que falam por mim, que colocam pra fora, que trazem o subjetivo ao objetivo. O crochê é o meu instrumento, minha forma de gritar o que é inexpremível.

FTC: Com o que você se inspira? 

Qualquer coisa pode inspirar! Músicas, poesias, livros, textos que leio na internet, conversas com pessoas, olhares, histórias. Ultimamente, coisas que me revoltam também tem servido de inspiração. Nesses caso, eu tento não expressar com raiva ou de maneira negativa, e sim, de maneira positiva, justamente, negando o que fazemos muitas vezes por impulso.

Infelizmente, nós vivemos numa sociedade onde é cultural agir de forma agressiva e violenta, insultar pra nos defender. Então eu tento fazer de modo oposto, mostrar o que acho importante de maneira positiva, para que as pessoas vejam que há outras maneiras de nos defender, deixando o ego e a raiva de lado, fazendo surgir uma coisa maior do que essas que revoltam.

FTC: 5 coisas que não consegue viver sem.

Café com canela sentada no sofá, ponto alto e ponto baixo, temaki de salmão creamcheese e cebolinha, longas conversas e aquele momento do sono em que você não está acordado mas também não está dormindo (precioso!).

FTC: Uma frase da sua vida

Tornar igual o que é desigual.

Acompanhe o projeto no site oficial, no Facebook e no Instagram

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