Papel, estilete, estêncil, grafitti. O trabalho fantástico de Pina mescla técnicas, formas humanas e a geometria dura das cidades
Pina (Thomas Pina Goda) nasceu em Bauru, em 1989, e se mudou para São Paulo, onde vive desde 2014. Seu primeiro contato com arte de rua foi aos 15 anos com o teatro e, posteriormente, com o circo, no malabarismo. Em 2008, durante a graduação em Arquitetura e Urbanismo, conheceu a técnica do stencil e percebeu que poderia se comunicar através da street art, com milhares pessoas, em diversos espaços e ao mesmo tempo, sem a necessidade de estar presente como na arte cênica.
A migração aconteceu aos poucos e, a partir da arquitetura, veio uma forte influência estética, a vontade de interagir e modificar a paisagem da cidade e, de alguma forma, alterar o cotidiano das pessoas – tudo isso com as próprias mãos e de forma independente. Foi após ocupar funções como diretor de arte em agências, que Pina começou a pesquisar mais sobre a arte urbana e conheceu o graffiti e o pixo, e então, resolveu se dedicar à alguns estudos.
A busca pelo entendimento da cidade como um ser vivo em constante mutação fez com que surgissem obras que tem como tema a simbiose e o equilíbrio entre as cidades e as pessoas. São linhas em constante movimento, abstrações geométricas e realismo. “Hoje meu trabalho é dividido entre rua e ateliê. Sou arquiteto de formação e mesclo formas humanas e orgânicas com a geometria dura, frias e caótica das cidades”.
O artista produz stencil, graffiti, lambes, stickers, pôsteres, gravuras, telas e murais, em diversas escalas. O equilíbrio de suas fantásticas obras é, geralmente, interrompido por formas que nos trazem à realidade. São rupturas e censuras sutis. O uso de cores é feito de forma minimalista, fator estratégico para Pina comunicar de forma eficaz a intenção de suas narrativas.
Conheça um pouco mais de seu trabalho e confira a entrevista exclusiva que fizemos com Pina:
FTC: Qual foi seu momento “a-ha”, seu estalo, para se interessar por stencil e papercutting?
Em 2008 eu aprendi a fazer stencil com um pessoal da faculdade de arquitetura e desde então comecei a fazer por hobby. Foi um ano em que o Banksy estava aparecendo bastante e isso me inspirou a fazer como forma de crítica e protesto, mas era bem esporádico e imaturo.
Em 2010 surgiu a oportunidade de dar algumas oficinas sobre stencil básico, o que me fez pesquisar sobre o assunto e consequentemente conhecer a história e os artistas com técnicas diversas. Em 2014, depois de dois anos pintando, eu decidi retomar a técnica do stencil disposto a encontrar a minha identidade nesse meio, já mais consciente da colaboração da técnica dentro da história artística e política.
E o papercutting surgiu desse processo. Em 2016, um dia, eu achei que a máscara recortada no papel podia ser mais interessante que o resultado pintado do stencil e também como um exercício de desapego talvez, resolvi manter o mistério sobre o stencil sem usar tinta.
Depois de uns meses eu descobri por acaso que existia essa técnica chamada papercutting descendente do milenar Kiriê. Então, encontrei vários artistas especialistas em recorte de papel com técnicas incríveis e isso me deu ainda mais inspiração pra pesquisar o stencil e essa linguagem.
FTC: O que é arte pra você e como você define a sua arte?
Agora, a arte pra mim é a sensação de descobrir algo, é a generosidade de disponibilizar opções para novas utopias. Seja ela de forma mais sutil, bela e harmônica ou ainda pelo protesto, pelo incômodo e pelo “feio”.
O meu trabalho é cheio de dualidades, ironias, acho que ele é uma balança em movimento, ora mais leve ora mais agressivo, fluido apesar de tanta geometria. Não gosto e nem consigo definir com propriedade, ainda mais tão no início. Mas arrisco a dizer que o meu trabalho seja uma dialética. Simples… e complexo, ao mesmo tempo!
FTC: Conta mais sobre esse lance do P&B, do vazio das cores.
Logo que mudei pra São Paulo, eu tive a sensação de labirinto, parecia que tantas linhas juntas não faziam o menor sentido, mas depois de um tempo, cada lugar que você conhece, cada pessoa, cada experiência, é como retirar um pedaço do papel que cobre essa cidade. Esse contraste entre cheios e vazio é o que da forma, revela um rosto, talvez desconhecido mas que traz uma sensação humana de conforto.
Então meu trabalho segue essa linha, a gente se reconhecer no meio da bagunça. E quando se olha de longe, as coisas fazem sentido e você se sente mais confortável e entende um pouco melhor o que acontecendo. Eu tenho um respeito muito grande por cores, acho incrível quem sabe usar cores de forma correta. E eu não sei, me comunico melhor por outros elementos, como formas e composições.
Acredito que muito disso se deve à minha formação, assim como o uso do papel como principal material. E então fui desenvolvendo meu trabalho assim, sem cores, que faz bastante sentido no cenário atual, e também porque tinta tem custado bastante caro. Acho que a minha identificação com o stencil segue isso, a possibilidade de criar formas, volumes e luzes utilizando o mínimo de cores, e no caso do papercutting nenhuma cor, só o papel.
Sempre gostei muito de gravuras antigas, como Goya e Debret, que em geral eram monocromáticas, então desde criança eu copiava gravuras de livros de bruxas ao invés de mangás e HQ’s. Posteriormente a ideia de não usar tinta pra fazer as obras me seduziu, e ainda mais, a impossibilidade de adicionar mais cor para encobrir erros, assumindo que o erro faz parte do processo e deve fazer parte do produto final, sendo contornado ou explicitado.
No meu trabalho de mural e de telas eu uso cores, mas sempre com cuidado, utilizo sempre uma única cor por trabalho, bem pontual, aproveitando o máximo de informação que aquela cor carrega. Enxergo a cor como o cenário de cada trabalho, só pra dar o clima e temperatura da peça, mas como suporte, não como protagonista.
FTC: Pode contar pra gente um pouco do seu dia a dia, do processo criativo e etc?
Eu não sigo uma rotina, sou artista e sou pai. E essas duas atividades não tem horas definidas. Tem horas que eu estou trabalhando e de repente paro pra brincar, ou então eu tô com a minha filha e me vem uma ideia que eu não posso perder.
Eu não acordo cedo, apesar de gostar muito quando acontece, aproveito o final da manhã pra tomar café com a família e responder os emails, tento concentrar tudo que envolve comunicação ainda na manhã pra conseguir me isolar na parte da tarde e noite pra desenvolver os trabalhos e durmo bastante tarde, gosto de aproveitar o silencio da madrugada – e do telefone.
Meu processo criativo mescla arte digital e manual. Eu faço rascunhos de composição geométrica à mão e depois desenvolvo as ideias no computador. Então eu lapido durante o processo manual com o estilete. Acho essencial essas idas e vindas entre digital e manual pra criar um trabalho mais rico. Agora eu comecei a me soltar mais e mesclar alguns elementos gestuais abstratos, tenho gostado de ter algumas coisas mais espontâneas, traz uma liberdade na hora da criação.
FTC: O que tem lido, ouvido, visto, quais são os artista preferidos no momento?
Eu tenho lido bem pouco, recentemente li o ‘Pixação – a arte em cima do muro’, do Luiz Henrique Nascimento, livro incrível com muita referência filosófica, testemunhos profundos sobre essa arte milenar e revolucionária. E há alguns meses eu leio o ‘Arte Contemporânea‘, do Michael Archer, que é bastante denso e tem aberto minha mente pra diversos mundos e histórias e me ajudado compreender bastante a arte atual.
Música eu tenho ouvido bastante Coruja bc1, Drica barbosa, Rincon Sapiência, Russo Passapusso. E os de sempre, Krafwerk, System of a Down, Nirvana, Caetano, Chico, Bethânia, Sabotagem, Racionais, SNJ e outros.
Também vejo muita coisa todo dia no meu Instagram. É só artistas e galerias, então eu pego enxurradas de arte contemporânea, pixo, graffiti e murais.
FTC: O que te dá mais prazer no seu trabalho? E o que dá menos?
Sem dúvida é a liberdade que eu tenho que poder ficar junto com a minha família, ficar em casa que eu gosto muito, fazer um bolo entre um trabalho e outro. Não precisar pegar trânsito todo dia, e principalmente poder me expressar em cada trabalho que eu faço.
Cada dia aprender uma coisa nova, esse movimento e aprendizado constante me dá muito prazer. E o que me dá menos acho que é a obrigação de vender meu trabalho, se eu pudesse eu distribuia arte pra todo mundo, mas ainda não vivemos nessa utopia.
FTC: E agora, o que vem pela frente?
O principal pra mim agora é desenvolver mais a poética do meu trabalho, que eu escolhi deixar em segundo plano pra crescer e amadurecer a técnica primeiro. Acredito que seja o momento de inverter esses papeis. Objetivamente eu pretendo fazer uma primeira exposição individual em São Paulo em 2018.
Também já estou estudando a técnica da tatuagem e pretendo incluir essa linguagem nos meus trabalhos autorais já no início do ano. E, em novembro (2017) eu vou participar do meu 1º encontro internacional de graffiti no Rio Grande do Sul – Meeting of Styles, espero aprender o máximo possível com os artistas mais experientes pra poder evoluir!
“O que vem pela frente é um tapete de quilômetros de papel cortado”. – Pina
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