Aurim Ra é um artista nômade e viajante argentino. Começou a tatuar depois de iniciar suas viagens como uma forma de se reconectar ao seu lado mais artístico. Hoje ele vive desse seu movimento por onde passa. Em entrevista em vídeo feita pelo Projeto Dysfunctional, Aurim fala um pouco sobre como começou na profissão, suas inspirações e sua vida pelo mundo.
O Dysfunctional, idealizado por Renê Baldissera, cineasta brasileiro, tem como objetivo documentar pessoas que vivem de alguma forma da arte, ou que querem viver disso. O intuito é apresentar uma contra-cultura moderna, a história de criativos e mostrar que podemos sempre arriscar a seguir caminhos diferentes, considerados por muitos fora dos padrões.
Aurim Ra, também conhecido como The Twin Temple Tattoo, é dono de desenhos minimalistas, traços basicamente em tinta preta (blackwork), cheios de detalhes em pontilhismo. Entre os seus temas estão objetos e personagens ligados aos cosmos (astronautas, céu, planetas), flores, animais, formas geométricas, a psicodelia, exploração da mente, o místico e o espiritual.
Confira um pouco dos pensamentos de Aurim Ra, em sua passagem pelo Brasil (ative a legenda em português no vídeo):
“A tatuagem para mim é um ritual entre duas pessoas. Uma pessoa confia a pele à outra para fazer um trabalho artístico, no qual o tatuador se envolve completamente para fazer um trabalho bonito. Então, sinto que é um ritual importante entre ambas as pessoas. Artístico, pessoal… É doar a pele. É dar muita confiança.”
“Antes de ser tatuador, eu já havia feito algumas tatuagens em meu corpo. Nas vezes que fui a um estúdio, me interessei muito em saber o que o profissional estava fazendo na minha pele. Não porque não confiasse, mas sim porque era uma coisa interessante ver como alguém desenhava na minha pele. Hoje em dia me interesso mais pelo assunto, já que agora que estou do outro lado, me interesso pela técnica. Então passei de espectador para ser alguém que realiza, alguém que está fazendo. É algo como: antes eu assistia um esporte e agora estou praticando esse esporte.”
Dysfunctional: Você pode comentar quando começou seu interesse em ser tatuador?
Aurim Ra: Foi quando comecei a viajar, para deixar um pouco o ambiente em que vivia. Mas com isso, também acabei deixando um pouco de lado a minha criatividade. Chegou um ponto onde eu sentia que queria voltar a me conectar com a parte artística, que me faz muito bem. É como uma terapia para mim poder desenhar, criar. Na época, eu queria fazer uma tatuagem que era um abacaxi, mas naquele momento era um pouco caro para mim. Então, comecei a pesquisar, a procurar e me dei conta que comprar o material para começar era praticamente o mesmo preço da tatuagem.
Nesse momento, por estar viajando e não ter muito dinheiro, me pareceu uma boa alternativa. Como uma aventura, não? Comprar um equipamento e… bem, experimentar. Você pode, ou não, evoluir nisso, mas vai ser uma aventura. Ai acabou que comprei essas máquinas e comecei a tatuar laranjas por alguns meses. Os amigos que fiz nas viagens começaram a gostar do que eu fazia e acabávamos tatuando. Até hoje sigo dizendo que graças aos abacaxis que eu tatuo.
Dysfunctional: De onde vem sua inspiração?
Aurim Ra: Sempre houveram artistas que me inspiraram, mas por outro lado não quero ser só uma pessoa que rouba a inspiração e copia referências, que acaba sendo igual ao que os outros fazem. Por isso, me educo, leio, vejo documentários, estudo vários artistas, sejam eles clássicos como Picasso, Dali, Escher. Existem muitos outros que me impressionam de certa forma, por sua personalidade ou pelo trabalho que fizeram.
Também encontro inspiração na música, em quadrinhos, comics, e creio que fundamentalmente, encontro muita inspiração na psicodelia, na exploração da mente. Acho que muitas realidades inconscientes se tornam conscientes através de estados alterados. Isso faz com que o traço de alguém se modifique, ou que novas ideias surjam, pequenos rascunhos, que depois se tornam mais elaborados e que vão sendo incorporados como parte do estilo.
“Sempre trato de dar minha própria volta e de fugir um pouco para que eu tenha também personalidade e não seja só um trabalho comercial. Quero que seja artístico, que me represente de certa forma.”
Dysfunctional: Como você definiria o seu próprio estilo?
Aurim Ra: Logo quando comecei a tatuar, comecei também a entender que existem certas coisas que não funcionam na pele. Por isso, meu estilo de desenho mudou um pouco. Também tenho uma influência por seguir o trabalho de outros artistas e colegas, então creio que meus traços estão dentro de um estilo de linhas, do pontilhismo. São bastante sutis, minimalistas. Dentro disso posso vir a testar outros estilos também.
Dysfunctional: O que você acha da responsabilidade de tatuar alguém e qual o seu processo junto com seus clientes?
Aurim Ra: Acredito que pelo simples fato de ser um viajante e não ter um estúdio permanente, as pessoas não vêm até mim só por eu ser apenas um tatuador. Mas sim porque primeiro conhecem uma parte do meu trabalho e depois me procuram. Então, quem se tatua comigo sabe geralmente o que faço e o estilo que trabalho. Por isso, sempre crio os desenhos junto com essas pessoas.
Existem clientes que gostam de tatuar meus desenhos já prontos, mas se alguém quer criar algo novo eu também faço. Sinto que isso ajuda na minha inspiração, porque as vezes alguém tem temas novos, personagens, ideias, e essas novas ideias na minha mão tomam um novo rumo.
Dysfunctional: Como funciona essa vida de viajante, tatuador nômade e ainda por cima fazer dinheiro com tudo isso?
Aurim Ra: Acho que nunca tive interesse em ter dinheiro ou ter coisas. Primeiro, o que busco é liberdade. Então consigo viajar e sobreviver, pagar minhas passagens, minha estadia. Talvez não sobre muito dinheiro, mas sinto que estou bem. Simplesmente não tenho coisas, mas ter o meu tempo para mim e para minha arte é algo que me completa muito.
Possuo as coisas que tenho na minha mochila: máquinas para tatuar e os objetos para desenhar. Isso me dá a liberdade suficiente que eu necessito. Creio que quando comecei tinha um pouco mais de medo de errar. É como tudo o que é novo, que aparece em nossa vida. Primeiro temos que aprender e se acostumar, até que esteja bem mais fluído.
Quando comecei a viajar, me custava muito, mas hoje em dia é muito mais fácil. Existem lugares que consigo trabalhar mais e outros que consigo trabalhar menos. Mas sempre tento ocupar meu tempo desenvolvendo minha arte, conhecendo novos artistas, novos lugares e culturas que ajudam a manter o estilo fresco.
Dysfunctional: Por último, como você enxerga o Aurim no futuro?
Aurim Ra: É meio difícil para eu me planejar a longo prazo. Sou uma pessoa que planejo só uns meses a frente, assim não traço planos impossíveis, sabe? E além disso tenho a liberdade de mudar tudo. Já estou há algum tempo viajando, então seria bom também parar. Ao mesmo tempo, cada vez que paro, fico pouco tempo e já quero voltar. Me sinto um pouco preso quando começo a ver sempre a mesma paisagem e ter uma rotina.
As rotinas em geral me cansam um pouco. Ainda que tatuar seja uma, fazer isso por diferentes lugares mantém esse trabalho ‘novo’. Então tenho certeza que estarei viajando no futuro e se, por um acaso, arranjar um lugar fixo, esse não será um lugar permanente, pois sempre estarei em movimento. Quero conseguir me manter assim. Não quero ser um adulto rígido, quero ser um adulto que se mantém aberto na mente, na arte, que consiga desfrutar do tempo e que não tenha ansiedades passadas e angústias futuras. Quero poder desfrutar do aqui e do agora.
Saiba mais sobre a Dysfunctional no Facebook. Acompanhe também o trabalho de Aurim em sua página Twin Temple Tattoo.