Um estudo publicado na revista Earth traz um dado revelador: restaurar a relação da humanidade com a natureza vai muito além de plantar árvores ou criar novos parques.
A pesquisa, conduzida por Miles Richardson, professor de Conexão com a Natureza na Universidade de Derby, analisou a evolução desse vínculo entre 1800 e 2020. O estudo mostra de forma precisa como a presença da natureza foi se perdendo no cotidiano das pessoas ao longo de 220 anos, com base em fatores como o avanço da urbanização, a redução da vida selvagem nos bairros e, sobretudo, a quebra do elo entre gerações — já que muitos pais deixaram de transmitir aos filhos o hábito de se envolver com o ambiente natural.
Esse declínio acompanha de perto o crescimento das cidades, o desaparecimento de espécies próximas ao convívio humano e a diminuição das oportunidades para que as crianças desenvolvam experiências significativas ao ar livre.
Até mesmo a linguagem reflete essa mudança: palavras como flor, rio e musgo aparecem cada vez menos em nosso vocabulário. As projeções sugerem que a tendência deve continuar, a menos que repensemos como vivemos, sentimos e planejamos nossas cidades — tornando-as mais verdes e integradas à natureza.
Principais Conclusões do Estudo
Declínio massivo: a conexão com a natureza caiu cerca de 60% desde 1800, acompanhando o crescimento acelerado da urbanização — que passou de 7,3% para 82,7% da população.
Desconexão entre gerações: o vínculo dos pais com a natureza mostrou-se o fator mais determinante na conexão de seus filhos (com peso de 80%), reforçando um ciclo contínuo de afastamento.
Recompensa intergeracional: como a desconexão é transmitida dentro das famílias, intervenções na primeira infância têm efeito multiplicador, impactando a sociedade ao longo de várias gerações.
Recuperação exige transformação: apenas ações ambiciosas e combinadas — ampliando radicalmente o acesso à natureza e investindo em programas familiares direcionados — poderão gerar uma recuperação autossustentável a partir de 2050.
Como mitigar essa desconexão?
“A conexão com a natureza é agora reconhecida como uma das principais causas da crise ambiental”, afirma Miles Richardson. “Ela é vital não apenas para a saúde do planeta, mas também para a saúde mental das pessoas. A conexão com a natureza une comunidades, promove bem-estar e fortalece a vida selvagem. Precisamos de uma mudança transformadora se quisermos redefinir a relação da sociedade com o mundo natural.”
Um dos caminhos apontados pelo estudo é ampliar radicalmente o acesso a espaços verdes biodiversos. Embora aumentar em 30% a presença de áreas verdes em uma cidade pareça um avanço significativo, os dados mostram que isso pode não ser suficiente: seria necessário que uma cidade fosse até dez vezes mais verde para realmente reverter a queda da conexão com a natureza.
A realidade atual é preocupante. Em Sheffield, por exemplo, moradores passam em média apenas quatro minutos e 36 segundos por dia em contato com ambientes naturais. Esse tempo ínfimo revela como o cotidiano urbano tem limitado profundamente nossas oportunidades de se reconectar com o mundo natural.
Se nada for feito, essa desconexão pode comprometer tanto a sustentabilidade quanto a saúde mental até o fim do século. Por outro lado, se organizações e governos investirem em intervenções sistêmicas desde já, será possível iniciar uma recuperação cultural autossustentável. Programas que incentivem os pais a fortalecer seu próprio vínculo com a natureza podem ter um efeito multiplicador, dando-lhes confiança e ferramentas para transmitir essa relação aos filhos — e, assim, criar uma mudança intergeracional duradoura.
1. Torne o local de trabalho mais verde
Levar a natureza para dentro do ambiente corporativo não é apenas uma questão estética, mas também de saúde e bem-estar.
- Política organizacional: priorize edifícios com jardins suspensos, terraços e pátios verdes, de preferência acessíveis também ao público.
- Design biofílico: aproveite a luz natural, insira plantas, crie paredes verdes e considere áreas externas de trabalho.
- Pausas verdes: incentive momentos diários ao ar livre — não apenas na hora do almoço.
2. Engajamento com a natureza traz benefícios
Quando as empresas incentivam o contato com o meio natural, todos ganham: funcionários, famílias e comunidade.
- Dias na natureza: promova experiências de voluntariado ao ar livre ou momentos de lazer em família.
- Apoio institucional: subsidie associações ligadas a parques nacionais, fazendas urbanas e fundos de preservação da vida selvagem.
- Receitas verdes: ofereça atividades como caminhadas, encontros em parques com atenção plena ou práticas de “banho de floresta”.
3. Transmissão da natureza em família
A conexão com o meio ambiente pode (e deve) ser fortalecida entre gerações.
- Eventos familiares: organize “Dias de Descoberta da Natureza” para funcionários e seus filhos.
- Workshops educativos: ensine estratégias para nutrir a relação das crianças com o mundo natural.
- Educação ao ar livre: incentive escolas parceiras a realizar aulas e recreações em contato direto com a natureza.
4. Narrativa cultural
O contato com a natureza precisa fazer parte da identidade da empresa e ser valorizado como prática coletiva.
- Histórias compartilhadas: dê destaque às experiências dos colaboradores com o meio natural em canais internos.
- Reconhecimento: crie prêmios anuais para equipes e indivíduos que inovem no engajamento com a natureza.
- Valores sustentáveis: reforce a mensagem de que “nossos objetivos de sustentabilidade começam com a conexão das pessoas com a natureza da qual dependemos”.
Reconexão com a natureza
Reconectar pessoas e natureza não é apenas uma tendência, mas uma necessidade urgente para garantir bem-estar humano e sustentabilidade a longo prazo. O estudo mostra que pequenas ações isoladas não bastam — é preciso uma mudança cultural profunda, capaz de atravessar gerações.
Ao criar ambientes de trabalho mais verdes, incentivar experiências diretas com a natureza, fortalecer o elo familiar e valorizar essa conexão dentro da cultura organizacional, empresas e comunidades podem desempenhar um papel essencial na construção de um futuro mais saudável e equilibrado.
Mais do que plantar árvores, trata-se de cultivar relações vivas com o mundo natural — relações que nos transformam, nos conectam e garantem que as próximas gerações herdem não apenas cidades, mas também um planeta capaz de florescer.