Sabe quando você conhece pessoas incríveis e assim, de graça, torce pelo sucesso delas? E muito inspirado por esta animação sobre balões que comentei aqui dias atrás, resolvi falar bem de algumas figuras. Sem jabá. Só pelo fato de serem inspiradoras e terem me ofertado um balão na vida. Pessoas reais.
E para começar, O cara dos balões: Joelson Bugila. Um artista plástico que atualmente vive em Florianópolis, mas tem um jeito de ser do mundo. Começou se expressando em muros e hoje usa balões como material para a sua arte.
Espírito leve. Personalidade transparente. O que se reflete na força e desejo de traduzir o mundo através de cores, formas, experimentos e uma liberdade pura do simples criar. Conheci poucas pessoas tão confortáveis com essa liberdade e por isso mesmo quis entender melhor como ele cria e o que ele tem trocado com o mundo ultimamente. Fiz uma entrevista como correspondente exclusivo (risos!) do FTC e vai ser sempre assim: pergunto o que me minha curiosidade quer saber. O interesse é no caminho criativo que cada uma dessas pessoas decidiu percorrer.
Toma, pega um balão aí.
FTC: Existe um por quê de você ter começado a se expressar através dos muros? E o que te fez ir para as telas?
Bugila: Acho que não existe um porque claro, minha única vontade na época era de colorir a cidade. Não tinha grana pra comprar materiais de arte, então com guache e restos de tintas, aquelas de pintar parede, conseguia já criar meus desenhos em lugares abandonados. Na medida que fui usando o espaço, fui percebendo uma aceitação boa das pessoas, então a motivação de pintar mais. Surgiram convites para expor em galerias, espaços alternativos e qualquer outro tipo de divulgação era bem-vinda.
FTC: Qual o peso que a arte urbana tem nas suas obras hoje? O que se manteve daquela época e o que se transformou em novas expressões?
Bugila: É muito engraçado todo o processo, todo este tempo. Ao longo da minha trajetória percebo uma mudança bem notória. A minha vontade como pessoa de tornar e tocar coisas grandes faziam desse meu interesse pela arte urbana, onde encontramos em grandes cidades. Minhas inspirações eram de metrópoles, tudo muito grande. Hoje o que se mantém são as cores, estão muito presentes desde o meu início. É super engraçado quando falo de cor, pois elas nasceram das tintas que tinha disponível – rosa, azul claro, lilás e amarelo, e ao longo fui adaptando de acordo com minha pesquisa. As formas orgânicas estão presentes e houve uma desconstrução de elementos do meu desenho, parece que fui estudar cada peça, cada formato destas formas que hoje se fazem presentes em meus trabalhos.
FTC: Quando a coisa se tornou séria e você parou e disse “beleza! Agora eu sou um artista”?
Bugila: Quando fui ver já estava envolvido com arte, não só porque estudei artes visuais, mas a ideia de ser artista veio do trabalho e do resultado. Somente agora, depois de 9 anos produzindo e envolvido com arte, me dou conta que realmente sou um artista. PS.: Na terapia falava muito: “quando for um artista…” Minha terapeuta olhava pra mim e falava, você já é um artista, tome posse disso. É meio estranho tomar posse porque tenho problemas com méritos, de aceitação, pois tive uma infância solitária e sofria bullying por ser diferente, então hoje com muito trabalho consigo me aceitar como artista, até porque você não escolhe ser ou não ser artista, as aptidões vão se desenvolvendo de acordo com sua curiosidade ao longo da vida e percebi que isso se denomina “artista”.
FTC: Você acabou de chegar de uma recente temporada em NY, certo? A escolha deste destino tem ligação com a forte manifestação da arte urbana da cidade?
Bugila: Certo. A escolha por NY foi conhecer a produção de arte por lá, não só estar bem perto de grandes museus como o MoMa e o New Museum além de grandes mestres da pintura, mas visitar e trocar informações com artistas locais. Conhecer suas produções e criar conexão com seu trabalho. Acho que isso já é muito válido.
FTC: E quais foram as trocas entre você e NY?
Bugila: Quando estava na entrada do MoMa, tive que sair da fila e jogar o copo de suco que estava tomando, e em seguida retornei ao meu local. E por surpresa duas brasileiras me criticaram em português por ter furado a fila, achando que eu era americano ou algo assim, nem desconfiaram que era brasileiro, só pela minha cara de polaco. rs. Virei pra elas e disse: oi gurias, desculpa, só fui jogar o copo no lixo! Aí houve uma interação que só brasileiro sabe fazer, mas positiva. Depois de papearmos muito, uma das meninas perguntou: você é artista? Disse que sim. Ela: ahh, o pai do meu namorado é também, o Tunga, você conhece? Eu: Claro que sim, adoro o trabalho dele. Trocamos e-mails e só, cada um se perdeu no meio do MoMa e seguimos viagem. O que pensar disso? Como estamos sujeitos a tudo nessa vida, poderia ser pessoas super influentes ou o próprio Tunga, e você estabelece uma pequena conexão e tudo acontece. Não foi diferente uns dias depois, onde encontrei uma colega artista de Porto Alegre, onde conheci em 2004 na Bienal do Mercosul. Quando você iria imaginar encontrar com ela em NY em um ponto específico dentro da Starbucks? Nunca. Outro fator que me leva acreditar que não podemos esperar nada, pois realmente quando você projeta suas energias em algo, ela acontece, de alguma forma acontece.
Qual era a pergunta mesmo? rsrsrs
Fiz muitas trocas, conheci alguns artistas e ateliers, mas meu inglês não é aquelas coisas, então acho que deixei um pouco a desejar. Mas comprei muito material de arte e fui pintar no Central Park, desenhei muito no Highline – lugar que respira arte por ser no Chelsea, bairro das galerias de arte – que delícia isso, já tenho saudades deste processo.
FTC: Cores. Li em algum lugar você comentando sobre as cores artificiais que predominam em seus trabalhos e como isso o levou a uma pesquisa mais profunda sobre o assunto. Onde que estas pesquisas te levam? É uma necessidade particular de interpretar um sentimento coletivo, uma inquietude pessoal ou é apenas uma maneira de trabalhar e criar sobre bases mais consistentes? Ou nada disso e eu viajei na pergunta?
Bugila: Esta relação com as cores eu super levei a sério quando tive um encontro com Fernando Lindote, que é crítico de arte e artista. Em um curso do SESC, fui mostrar minhas produções, onde houve uma troca incrível. Questionamos muito as cores que uso em meus trabalhos, e ele disse: parecem cores artificiais, inventadas. Super concordei. Para criar os tons das minhas cores, procuro consultar a tabela Pantone, algo relacionado a esta paleta do rosa, azul, amarelo e lilás. Vou à casa de tintas e mando fazer a tinta o mais próximo possível do meu desejo. Estas cores artificiais estão relacionadas às cores dos materiais, principalmente do plástico, PVC, da borracha/látex. Das cores “mortas” dos materiais dou “vida” a elas em meu trabalho.
Já comentei acima, você não escolhe ser artista, as aptidões vão se desenvolvendo de acordo com sua curiosidade ao longo da vida, e só respeito isso, procuro e vou atrás desses problemas para tentar solucioná-los, pois se não há problema, um foco, não há processo e não há sentido naquilo que você faz. Tem que existir uma verdade, um propósito, aquilo tem que ser verdadeiro, se não vira mentira ou mera ilusão, assim desaparece.
FTC: E é claro que preciso saber dos balões. São lúdicos, efêmeros, artificiais e o que mais eles revelaram neste seu processo de pesquisa e criação fazendo uso deles?
Bugila: Tudo tem um porque em meu trabalho, às vezes separo elementos que se manifestam, mas não fazem sentido e percebo, depois de um tempo, que passam a fazer sentido. E vou inserindo no contexto de minhas pesquisas. O processo realmente é importante, principalmente quando você olha pra trás e visualiza que tudo faz sentido, tem uma linha e um contar. Da desconstrução dos desenhos para pesquisa isolada das formas, o balão sempre esteve presente de forma lúdica, e hoje trabalho com o objeto real, pois fez sentido usar somente agora. Tem um texto incrível de uma grande amiga Carine Betker, artista, professora e mestre em arte que escreve os meus textos e gosto muito de compartilhar, até chamo ela de Lygia Clark, pois quando nos encontramos é uma conversa linda sobre filosofia pura de arte…dois malucos praticamente.
[texto de Carine Betker] O balão surge como objeto recorrente que o artista utiliza tanto como elemento formal, quanto como pictórico, sem deixar de lado os aspectos simbólicos e poéticos. A escolha por esse objeto não se deve simplesmente à materialidade maleável, a possibilidade de cores intensas e a facilidade de acesso. Além destes fatores, que dizem respeito à concretude material da obra, é preciso que nos lancemos à um olhar que percorre os vazios e os interditos existentes em suas composições. Os balões que Bugila apresenta nos provocam a lembrar da infância, das festas e brincadeiras que envolviam esse objeto, que muitas vezes ficava passeando pelo ar, porém, seus balões não estão em um contexto infantil, não são ‘meigos’ ou ‘fofos’. Eles nos dão um soco no estômago no momento que fazem com que nos deparemos com a efemeridade do tempo em que vivemos. Além de efêmeros, os balões são frágeis, e o artista ressalta ainda mais essa fragilidade material no momento que os disseca com alfinetes, como em ‘anatomia do vazio’, mostrando o vazio contido em seu avesso, evidenciando que “não tem nada ali dentro”, como se esse vazio fosse o que nos preenche nos momentos em que gostaríamos de ter algo a mais para acreditar.
A tensão e a beleza convivem também na fragilidade da obra “lágrimas”, composição feita a partir de um conjunto de inúmeros balões, cheios de água, suspensos por fios de nylon. Ali a existência de um depende do outro, a harmonia se torna elemento fundamental, mas com convive o imperativo da imobilidade, da impossibilidade, pois qualquer movimento pode provocar o rompimento dos balões, e, com isso, a água que está armazenada neles iria se esvair. É inevitável, o tempo fará com que isso aconteça. É lindo mas tem fim.
Perfurados por alfinetes, esticados, ou emendados por costuras, os balões perdem de vez a sua função original: serem preenchidos por ar/oxigênio, para flutuar, agora estão presos à uma superfície, possuem um lugar definido, rígido, e também suas formas originais foram alteradas dando espaço para outras, que provocam o estranhamento, e, ao mesmo tempo, buscam envolver o outro na tessitura dessa nova forma, como é o caso da obra “coração”. Novamente somos arremessados a pensar naquilo que éramos na infância- que já passou- e o que somos agora- mudamos de forma, já não somos mais os mesmos… será que ainda é possível flutuarmos ao sabor dos ventos?
No Facebook: Joelson Bugila. No Flickr: Bugila. Para você seguir os seus balões e ver onde essa vontade de fazer arte ainda vai levá-lo. Eu fico aqui na torcida.
E eu volto. Tenho alguns bons nomes na minha lista para compartilhar. Gostei disso.