Ela usa muita tinta preta, linhas finíssimas, por vezes hachuras e pontilhismo, sombras, outras vezes cores, e gosta de se permitir experimentar para evoluir como profissional e na arte.
A brasiliense Gabriela Fune é dona de criações únicas na pele, sem amarras. A artista não se prende apenas a um rótulo, gosta de trabalhar com temas diversos, além de se manter sempre aberta a novos estilos e técnicas. Recentemente, a tatuadora deixou Brasília (DF), sua cidade natal, para se aventurar por São Paulo.
Gabriela conta que desenha desde pequena (apesar de achar chato dizer que ‘sempre desenhou’ quando perguntam sobre sua história), mas, quando pensa em sua trajetória lembra que sempre foi assim, e acaba ficando sem alternativas.
“Mesmo antes de ter idade para segurar um lápis eu já estava rabiscando parede com giz de cera. Meu pai (que também desenhava e claramente não era fã que eu pintasse a parede) então de certa forma me direcionou para que aquilo se transformasse em algo”.
Esse caminho a levou ao local onde ela está hoje, um dos melhores estúdios em São Paulo. E para entender como toda essa relação tattoo x arte surgiu em sua vida, conversamos com ela para saber mais sobre suas inspirações em uma entrevista exclusiva. Confira:
FTC: Queria que vc falasse um pouco sobre você, o que fazia antes e como foi parar na tatuagem;
Lembro dos meus primeiros lápis de desenho e de passar longas horas em frente a televisão tentando copiar meus cartoons favoritos no papel, da minha tia, que sempre deixava que eu desenhasse nela de canetinha ao lado de algumas tatuagens que ela tinha.
Mas, foi por volta dos dez anos que pisei em um estúdio de tatuagem, acompanhando minha mãe que faria a primeira dela. Naquele momento parecia lógico na minha cabeça e surgiu essa ideia crua de querer aprender a tatuar.
Acho que tudo que fiz antes de tatuar era direcionado mesmo que inconscientemente: colava em estúdios toda vez que um amigo ia se tatuar e nessas fiz amizade com a pessoa que me guiou nesse aprendizado. Logo depois que entrei para a Universidade de Artes Plásticas comecei a tatuar, aos 18-19 anos.
FTC: Como você define a sua arte?
Em movimento. Numa época de hashtags e agrupamentos, eu gosto de me permitir transitar para evoluir. Houve um momento que eu trouxe minha vivência na gravura em metal para a tatuagem, era tudo preto, hachurado e achei que aquilo definiria meu trabalho a partir dali.
Porém só me trouxe mais questões e inquietações. Um dia, me vi querendo colocar uma cor e hoje vejo meu trabalho como algo fluido. Acredito que para definir o trabalho de um artista é preciso ser consistente e coerente para analisar, mas isso só vem com tempo e prática. E só fazem seis anos que eu to nessa. Daqui a quatro anos quem sabe eu consiga responder com mais propriedade!
“‘Qual é seu estilo de tatuagem?’ é a pergunta mais cretina que podem me fazer. Eu estou tentando descobrir, mas aí vejo meus colegas de casas decimais em tempo de carreira griladíssimos com essa mesma questão, a diferença é que muito mais calmos e felizes com o processo todo. Então, invés de me engessar na última hashtag tendência do momento, tatuagens bem feitas, entregues de coração e feitas com dedicação e paciência me parecem algo bom de se buscar sempre (pena q essa hashtag não bomba tanto), ainda mais pra quem, como eu, é um baby nessa estrada. Por mais trabalhos desafiadores e divertidos de fazer!”
FTC: Com o que você se inspira?
Acho que com tudo. Cada momento me traz uma vivência diferente e isso se traduz de alguma forma no meu gesto criativo. Tenho buscado viajar cada vez mais e tem sido a melhor forma de absorver conhecimento (e se conhecer), expande o repertório.
Quebrar a inércia e estar presente, escutar, observar, mesmo que seja a si mesmo alguns momentos.
FTC: Qual foi sua primeira tatuagem em um cliente?
Não sei se chamaria de cliente, foi um voluntário às cegas (aka. doido?) num Workshop de Tatuagem de Cadeia que o Taiom ministrou na UnB em 2011. Eu já enchia o saco do Taiom há anos falando que queria começar a tatuar mas ainda não sabia como, foi assim que nos conhecemos e ficamos amigos. Então, quando surgiu a oportunidade, ele falou para eu colar lá e ver no que dava.
Na parte prática do workshop, usaríamos as máquinas que construímos com carregador de celular e bobina de VHS para tatuar uns aos outros. Ele arrumou o primeiro voluntário, me deu um empurrãozinho no ombro e falou “vai”, e eu fui.
Era uma âncora na lateral da mão que muito provavelmente desapareceu a essa altura. Na sequência, teve uma menina que quis fazer um diamante minúsculo no pulso que saiu meio torto. De qualquer forma sou eternamente grata pela confiança dessas pessoas nesse dia.
E de quebra era meu aniversário e por conta disso cheguei atrasada no bar onde meus amigos me esperavam bem bravos (valeu a pena! haha).
FTC: Está tocando algum projeto especial ou específico atualmente?
Estou me adaptando a São Paulo. Não é bem um projeto, mas tem sido um momento especial. Trabalhar no Ardhãm Tatuaria me permite encarar o tempo de outra forma, com mais calma. Tenho aproveitado isso para tocar alguns projetos que ficaram encostados por um tempo.
No início do ano criei um selo (ou identidade paralela) chamada Not In Press como uma forma de agrupar tudo que eu queria fazer que não estivesse diretamente ligado ao trabalho sob demanda da tatuagem e produzir conteúdo, mas ainda está um pouco cru.
Ele engloba trabalhos com pintura, algumas ideias de estamparia, um blog sobre Tatuagem Contemporânea e o bordado, que foi uma descoberta recente e tem sido a coisa mais divertida que tenho feito ultimamente.
FTC: O que tem lido, ouvido, visto, quais são os artista preferidos no momento?
Estou lendo um livro de introdução a Semiótica que recebi de um cliente e outro chamado Anarcometodologia de um autor paraense chamado Luizan Pinheiros sobre pesquisa em Arte. Sei que não soam como os livros de cabeceira mais leves, mas têm ajudado bastante a escrever uns projetos.
Acabo sempre voltando nos mesmos álbuns do Bonobo para desenhar, e esses dias encontrei uma track perdida de um produtor chamado ˆL_ que ganhou cadeira cativa na playlist.
No desenho uma das minhas referências mais fortes é o quadrinista Charles Burns, é aquele cara que me faz dizer “quero desenhar assim quando crescer”.
FTC: E agora, o que vem pela frente?
Bem, estou montando um cronograma de viagens para tatuar no segundo semestre e em 2018 e seguir produzindo para logo menos colocar esses trabalhos à venda. Além disso, dar corpo ao Not In Press. No mais, “o céu é o limite” não é mesmo?!
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