Na semana passada, fui convidada para acompanhar de perto parte do Projeto Passport Casa dos Bambas. O dia foi marcado por muitas cores, fotos e bom papo em volta da arte criada pelo Grupo OPNI. O Casa dos Bambas, que em sua primeira fase homenageou artistas que influenciam a música e arte urbana atual, como Negra Li, Mr. Catra, Fefe Talavera e Binho Ribeiro, está em seu 3º ano e foi criado com o intuito de conectar arte e música, tornando a marca referência para o público jovem.
Em 2015, artistas exploram o manifesto ‘liberdade para experimentar’ valorizando a mistura, a diversidade e estimulando as pessoas a seguirem novos caminhos, a se arriscar. O rap de Flora Matos, o produtor e beatmaker A-Basa, o MC de funk Nego Blue e o Grupo de arte de rua OPNI, formado pelos artistas Toddy e Val, são alguns dos destaques.
O tema do projeto, liberdade para experimentar, não é nada diferente do que Toddy e Val estão acostumados a fazer em suas vidas. O Grupo OPNI, coletivo de graffiteiros de São Mateus (zona leste da cidade de São Paulo), surgiu em 1997. Antes, era formado por aproximadamente 20 jovens da periferia de São Paulo, mas com o tempo, o destino mudou a vida de alguns dos antigos integrantes: alguns abandonaram a atividade pela família e trabalho, outros, infelizmente, foram presos ou faleceram. Apesar dos altos e baixos, eles sempre mantiveram seus objetivos, consolidando o seu trabalho nas artes visuais.
Toddy e Val são hoje os responsáveis pelos traços e cores que retratam o cotidiano periférico, elaborando murais e exposições “artivistas”. Um dos principais projetos do Grupo OPNI é a “Galeria a Céu Aberto”, onde os artistas mantém desde 2009, em sua comunidade de origem, um percurso repleto de intervenções, são ruas e vielas graffitadas que inspiram comunidades e ressignificam um território marcado pela pobreza e exclusão social. A relação com a cultura afro-brasileira também é uma característica marcante em seus trabalhos.
E foi assim que iniciei uma conversa incrível com os 2 artistas. Confira:
“A sigla ‘OPNI’ – originalmente ‘Objetos Pixadores Não Identificados’, também já significou ‘Os Policiais Nos Incomodam’ e ‘Os Prezados Nada Importantes’ – atualmente é um grito de guerra, que representa a voz da periferia!” – Toddy e Val
FTC: Queria que vocês falassem um pouco sobre o que faziam antes e como chegaram até a arte e a criação do Grupo OPNI.
Coincidentemente, desde crianças, sempre fizemos tudo em coletivo. No início, o OPNI era formado por de 20 jovens, que tinham em comum o objetivo de expressar tudo o que víamos no nosso bairro. Também tínhamos em comum o gosto e aptidão para as artes, então, decidimos usar isso para ser nossa voz, expressando desde as condições precárias de vida até a exclusão causada pelo nosso CEP.
Antes de iniciar o coletivo, até tentamos nos encaixar nos padrões da sociedade, mas não conseguimos. Da formação original, ficamos eu (Toddy) e o Val, porque, com o passar dos anos, alguns integrantes abandonaram as atividades artísticas ao encontrarem novas opções profissionais, por influência da família, motivos de força maior ou mesmo porque foram presos. Por conta de tantas histórias, para nós, o OPNI segue significando um grito de guerra pessoal que representa a periferia.
FTC: Onde querem chegar com o Grupo OPNI? Quais sonhos e desejos?
Acho que não temos pretensões específicas para classificar como sonhos, desejos ou definir um ponto de chegada. A ideia é viver de forma intensa e continuar sendo protagonista da nossa história. Não procuramos definições para o que fazemos, mas queremos continuar fazendo parte deste grande processo de mudança, sempre com o objetivo de transformar algo ao nosso redor.
FTC: Qual a influência das cores nos trabalhos?
Desde o início, nunca tivemos uma opção específica de cor, então desenvolvíamos nossos trabalhos com as cores que tínhamos em mãos. Mais recentemente, optamos por seguir trabalhando com uma linha voltada para tons de marrom, tanto por conta dos tons de pele que retratamos, como também pela cor das madeiras envelhecidas, que por vezes estão presentes em nossos painéis. Mas a mistura de cores também é uma característica marcante em nossos trabalhos.
FTC: Estão tocando algum projeto específico atualmente?
Sim. Na verdade, temos vários projetos em andamento, mas os principais são:
Quadro Negro: possui como foco a disseminação de histórias a partir da reflexão sobre o universo da cultura negra e sua utilização como forma de resistência. Entre outros, já pintamos painéis em homenagem a nomes como Grande Otelo, Luiz Gonzaga e Nelson Mandela.
OPNI CoMvida – Galeria a Céu Aberto: começou a ser desenvolvida em 2009 e está localizada no bairro Vila Flavia – no distrito de São Mateus, zona leste de São Paulo. Tem como objetivo principal, grafitar todos os muros, casas e vielas locais, transformando a comunidade em uma galeria de arte urbana.
A curadoria é realizada pelo próprio grupo OPNI, que além graffitis autorais, faz questão de imprimir no projeto, participações de artistas que são referência nacional, como Does, Schok, Finok, Ise, Jhoao Henr, Miau, Zefix, Onesto, Bonga, Binho, Gueto, Etron, Nove, Chivitz, Minhau, Arlin, Haigraff, Graphes, Nitros, Tika, Anarkia, Combo, Bobe, Trampo, Lidhia, Vejam, Rizo e Kajaman, entre outros.
Alguns nomes internacionais também já deixaram sua arte estampada na Galeria a Céu Aberto, entre eles, Shalak (Canadá), Shonis (Argentina), Aspi (Argentina), Ayslap (Chile), Baster (Chile), Sato (Espanha), Beli (Bélgica), Atsuo (Japão) e Joel (USA). Atualmente, a galeria conta com um percurso com mais de 200 intervenções urbanas. Recentemente, o projeto também deu origem a uma série de vídeos, tendo como convidados alguns ícones do rap nacional. Também fazemos algumas ações em parceria com o espaço São Mateus em Movimento, que entre outras coisas, oferece oficinas gratuitas de iniciação ao graffiti, para crianças e adolescentes do bairro.
FTC: O que é arte para vocês e como você definiriam a sua arte?
A arte é um diálogo com o nosso sentimento em relação ao que percebemos do mundo e é isso que tentamos transmitir em nosso trabalho, dialogar e mostrar a força do nosso povo e a real beleza dele. Tentamos inspirar reflexões na sociedade em geral, a partir da forma como a vivemos e sentimos.
FTC: Com o que vocês se inspiram?
Com a realidade. Desde 1997, quando iniciamos o coletivo, essa é a nossa essência.
FTC: 5 coisas que não conseguem viver sem.
Como um amigo nosso fala, precisamos apenas dos “5As”: ar, água, alimento, abrigo e agasalho.
FTC: Uma frase que vocês levam para a vida.
Vivemos a mistura de várias ideias, então não existe uma específica. Uma das ideias que levamos é a de que viver já é incrível, sem esse ideal fabricado de ‘vencer na vida’. Viver já é o bastante, e tentamos fazer isso da melhor forma possível. Não sabemos a maneira certa de fazer, mas tentamos fazer de alguma forma.
O Grupo OPNI já ganhou diversos prêmios e possui muitos outros trabalhos bacanas. Você pode conferir tudo aqui. Para seguir: No Facebook: Grupo OPNI. Instagram: @grupoopni – hashtag: #liberdadeparaexperimentar.
Obrigada a todo o pessoal da Passport Scotch e Grupo OPNI. Imagens: FTC e fotógrafo Charles Naseh.