Em celebração ao mês do orgulho LGBTQIA+, o ilustrador mexicano Radriguez estreia exposição inédita em São Paulo. Confira entrevista

Em celebração ao mês do orgulho LGBTQIA+, o ilustrador mexicano Radriguez estreia exposição inédita em São Paulo. Confira entrevista

Aos 38 anos de idade, o mexicano Carlos Rodriguez, conhecido artisticamente como Radriguez, desembarca pela primeira vez no Brasil com sua exposição intitulada “O Jardim”. A mostra, com curadoria de Bebel Abreu, é constituída por 10 pinturas a óleo inspiradas no quadroO Jardim das Delícias Terrenas” pintado por Hieronymus Bosch em 1504.

Conhecido por explorar o nu masculino dentro do universo LGBTQIA+, Radriguez iniciou seu trabalho artístico a partir das ilustrações e aos poucos alcançou outros formatos como a pintura e a escultura, por exemplo.

O autor justifica a escolha do erotismo como temática de suas obras: “Um corpo nu também pode ser uma posição política e social e o impulso sexual também pode ser um gatilho para um trabalho criativo. Tocar estas questões também está tocando a censura, a vulnerabilidade e os preconceitos de uma sociedade que se assusta para reconhecer e aceitar o que é diferente”.

Além disso, durante o mês de junho Radriguez aproveita sua passagem pelo Brasil para estampar a fachada da loja El Cabriton, também em São Paulo, com seus personagens que celebram o mês do Orgulho LGBTQIA+: “Acho fundamental ocuparmos os espaços de narrativas com arte e mensagens de resistência e de amor, de empatia e beleza, de liberdade e respeito”, ele diz.

Arte da fachada da loja El Cabriton por Radriguez

O INÍCIO

O artista, que trabalhava na área de Publicidade, começou a ganhar destaque nas redes sociais a partir de 2016, ao compartilhar esboços de homens com corpos fora do estereótipo comum de beleza: “Este projeto surgiu quase que acidentalmente; eu trabalhava em publicidade e um dia me despediram; de repente, você percebe seu valor para uma empresa”, ele conta.

Questões ligadas ao corpo masculino, padrões de beleza e à virilidade sempre permearam seus desenhos. “Comecei a postá-los no meu Instagram no verão de 2016; foi incrível como se tornaram populares, a comunidade ‘gay e bear’ começou a se apropriar deles e compartilhá-los“, comenta o ilustrador.

O projeto artístico inclusive partiu posteriormente para objetos como camisetas, cuecas e até mesmo lenços: “O passo natural foi que os fãs queriam ter algo disso, algo que os representasse, já não se tratava apenas de uma imagem, e sim de algo que pudessem usar”, ressalta.

ENTREVISTA COM RADRIGUEZ

O ilustrador Radriguez conversou com o FTC sobre trabalho, inspirações, dificuldades da carreira e expectativas. Confira a seguir:

FTC: Pode contar pra gente um pouco do seu processo criativo no dia-a-dia? Quais materiais não podem faltar na sua mesa de trabalho?

Radriguez: Em meu processo criativo eu geralmente retenho certas ideias por um tempo, até que elas amadureçam. A pesquisa de referência me orienta pra ver se já tenho o que procuro ou se preciso buscar mais. Leio muito, também.

Sempre tenho um lápis à mão, e gosto muito de trabalhar com folhas grandes de papel. Ultimamente descobri os pasteis e estou adorando.

FTC: A figura masculina é muito presente no seu trabalho. De onde surgiu o interesse em representá-la?

Radriguez: O interesse em retratar homens nus aconteceu porque sinto que a figura masculina na arte está relegada, independente de sua sexualidade. No meu trabalho muitas vezes não se sabe se é gay ou hétero – é apenas um homem. E o pênis está muito satanizado, também!

Vemos muitos nus femininos – mais ‘socialmente aceitáveis’, o que gera uma outra discussão – e pouquíssimas figuras masculinas. Por isso procuro dar mais visibilidade à figura do nu masculino.

FTC: Você começou a publicar seus esboços nas redes sociais e aos poucos eles foram ganhando popularidade. Quando viu que dava pra viver disso? Quais as dificuldades na carreira de artista?

Radriguez: Vi que dava pra viver de arte há três anos, depois e me dedicar por 10 anos à publicidade. O click aconteceu quando deixei de dizer (e de pensar) que este era um trabalho ‘intermediário’. Sempre acreditei que se a gente está 100% presente num projeto, ele decola. E aconteceu isso comigo em relação ao meu trabalho artístico.

A maior dificuldade que existe é certamente a censura. Sinto também uma obrigação de estar me renovando o tempo inteiro – custa muito manter o interesse das pessoas atualmente. Importante mesmo é ter um trabalho consistente, que se firme no imaginário das pessoas como sendo um traço seu.

FTC: O que te dá mais prazer no seu trabalho? E o que dá menos?

Radriguez: Mais: ver a reação positiva genuína das pessoas, a identificação e conexão que algumas pessoas têm com meu trabalho. Menos: trabalhar com o prazo apertado demais. Claro que é sempre bom ter uma data de entrega, mas quando ela é demasiado curta gera um desgaste desnecessário.

FTC: É a primeira vez que uma exposição sua desembarca no Brasil. Quais as expectativas em relação ao público brasileiro?

Radriguez: Sempre fico meio nervoso ao levar meu trabalho a terras distantes (risos). No México o espaço para mostrar este tipo de arte é muito reduzido, então sempre que vou a outros lugares me pergunto qual será a reação do público. Para minha alegria sempre tem sido uma experiência muito linda. Por isso sigo fazendo. Sempre tem um momento tenso, mas geralmente termina bem.

Espero que aqui as pessoas tenham curiosidade e venham ver a exposição e que de alguma forma contribuam para o movimento global pelos direitos LGBTQIA+ Tenho uma ideia de que o brasileiro é livre, alegre e sensual, e espero que isso de alguma maneira o faça se conectar com meu trabalho. E espero que gostem de colibris!

FTC: As peças que compõe a exposição “O Jardim” foram inspiradas na obra “O Jardim das Delícias Terrenas”, do pintor holandês Hieronymous Bosch. Como foi traduzir o quadro para o cenário atual?

Radriguez: Este quadro sempre me pareceu muito interessante, por todas as cenas que acontecem simultaneamente. Originalmente pensei na ideia de destacar alguns personagens, ‘dando um zoom’ em algumas cenas. Sinto que a obra tem este caráter irreverente, e quis trazer isto para o meu universo, misturando com as referências que tenho do Brasil – tanto o que pesquisei quanto o que eu recebi por meio de fotos, filmes, literatura – sempre nutriram meu trabalho: a fauna, a flora, as paisagens exuberantes e as pessoas, por exemplo.

Quando pesquisei um pouco mais sobre as motivações de Bosch para realizá-lo, me pareceu curioso que 500 anos depois ainda não possamos falar livremente de nossos desejos, nem de ver com diversão e leveza essas cenas incômodas. Por fim queria celebrar, com essas reinterpretações, o espírito – que acredito ser – do brasileiro: alegre, leve, e sempre disposto a entregar-se ao gozo.

A exposição O Jardim está em cartaz até o dia 07 de julho de 2019, no Cartel 011, em São Paulo. Durante o período também será possível adquirir serigrafias, pôsteres e diversos outros trabalhos do autor. Para mais detalhes, acesse o site.

E se quiser continuar acompanhando o trabalho de Radriguez, visite o site e o perfil do artista no Instagram.

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