Mais de 120.000 pessoas viajam para a comuna de Hauterives no sudeste da França todos os anos para ver o Palais Idéal du Facteur Cheval, um palácio impressionante construído inteiramente a partir de pedras escolhidas a dedo. Confira!
Se você leu o artigo sobre La Maison Picassiette e estranhou o termo “arquitetura naif”, eis aqui o precursor de tal denominação: o carteiro Joseph Ferdinand Cheval e seu Palais Idéal em Hauterives, França.
De origem humilde, nascido na pequena aldeia francesa de Charmes, Cheval (1836-1924) teve pouca educação formal e nenhuma experiência arquitetônica. Em meados da década de 1860, quando tornou-se carteiro, ficou responsável por uma área de mais de 30 quilômetros – percorrida a pé, diariamente. Durante uma de suas rondas, em 1879, o mensageiro rural tropeçou em uma pedra calcária de formato intrigante e resolveu levá-la consigo. Em sua autobiografia ele afirma: “Havia tropeçado numa pedra que quase me fez cair. Foi um tropeço tão incomum que coloquei a pedra no bolso para admirá-la quando estivesse em casa”.
O tropeço trouxe à tona imagens de um sonho em que ele aparecia construindo um castelo. Logo, decidiu que, uma vez que “a natureza forneceu as esculturas, [ele] seria o arquiteto e o pedreiro”. Começou a trabalhar fazendo suas entregas e empurrando um carrinho de mão em que colocava pedras de diferentes formatos encontradas em seu caminho. Ao fim do expediente, levava o material para o jardim atrás da sua casa onde começou seu ambicioso projeto de maneira autodidata.
A CONSTRUÇÃO DE UM PALÁCIO
Ao longo de 33 anos, dedicou-se a um palácio inabitável repleto de esculturas de animais gigantes, fadas, figuras mitológicas e atributos arquitetônicos de todos os continentes. Sua inspiração veio de ilustrações de periódicos famosos da época, como o “Magasin Pittoresque” e “La revue illustrée”, e de fotografias dos cartões postais que ele entregava pelo vilarejo.
Tais informativos apresentavam ao campo a vida nas cidades, outras regiões e países. Eles estimularam a imaginação de Chavel que associou motivos cristãos e hindus, bem como diferentes estilos e épocas, misturando influências chinesas, argelinas e do norte da Europa para criar o fantástico castelo de calcário. Um trabalho arquitetônico tão inclassificável quanto universal.
Embora reunidas ao longo de três décadas e em uma infinidade de expressões idiomáticas, suas grutas, cachoeiras, câmaras subterrâneas e grandes torres alcançam grande coerência visual.
A CONCLUSÃO DO PALAIS IDÉAL
Em 1912, aos 77 anos de idade, o carteiro concluiu sua edificação com 26 metros de comprimento e 10 metros de altura. Em uma das paredes, registra o reconhecimento da proporção de sua criação: “Eu não era um construtor. Nunca tinha manuseado uma colher de pedreiro, não era escultor. O cinzel era desconhecido para mim; sem mencionar a arquitetura, um campo do qual permaneci totalmente ignorante … Tudo o que se vê, transeunte, é obra de um camponês que, de um sonho, criou a rainha do mundo… ”
O palácio começou a se destacar internacionalmente na mídia, cartões postais e revistas. Nos anos de 1920, o escritor André Breton aponta o carteiro como o pioneiro da arquitetura surrealista: imaginário, independente de qualquer tendência artística e construído sem regras arquitetônicas.
Em 1945, o pintor Jean Dubuffet considera Cheval o precursor da arquitetura naif, ao entender que o termo representa “[…] todo o trabalho realizado por indivíduos que não possuem cultura artística, em que o mimetismo, ao contrário do que acontece no mundo intelectual… vemos aqui toda a operação artística, pura, crua, inteiramente reinventada por seu autor e seus próprios impulsos… ”.
Admirado por nomes como Tinguely e Picasso, o Palais Idéal foi classificado como Monumento Histórico em 1969. Desde então, é considerado um dos marcos históricos nacionais da França e exemplifica mais uma visão da arquitetura do imaginário – quando um sonho, um encontro casual com um elemento como um fragmento de pedra ou um pedaço de vidro quebrado pode se tornar o incentivo para o trabalho de uma vida.
Único no mundo, o Palais Idéal inspirou artistas por mais de um século. Independente de qualquer tendência artística, construída sem regras arquitetônicas, tem sido admirado pelos surrealistas e é considerado um trabalho de arte extraordinário.
Para informações de visitas, confira o site oficial do Palais Idéal. O palácio fica aberto durante todo o ano, menos no natal e ano novo, e do dia 15/01 a 31/01. De qualquer forma, é bom confirmar os horários de acordo com a sua ida!
Endereço: Palais Idéal du Facteur Cheval – 8, rue du Palais – 26390 Hauterives – Drôme.
Imagens: Coleção/Mémoires de la Drôme – Magnus Mundi