Perdidas Anônimas: projeto criado por jornalista atua como rede de apoio para mulheres conversarem sobre carreira e mercado de trabalho
Ao compartilhar dúvidas pessoais, Chames viu que outras mulheres se reconheciam com as mesmas incertezas e criou o Perdidas Anônimas
Chames Oliveira é jornalista e criadora do P/A. A sigla refere-se a “Perdidas Anônimas”, projeto que ganhou vida no começo de 2019, com o intuito de falar sobre mercado de trabalho e a diferença entre expectativa X realidade de mulheres recém-formadas ou que já estão na ativa há um tempo e como lidar com desafios, ansiedade e sonhos quando o assunto é a área profissional.
Nascida no Maranhão, mas atualmente morando em São Paulo, Chames explica que o projeto nasceu da vontade que ela tinha de conversar com amigas sobre mudanças no mercado de trabalho e na área de comunicação – seu ramo de formação.
Como ela mesma disse em entrevista por email ao FTC, foi difícil conciliar as agendas de todas as mulheres. “Chamei uma amiga que é uma maga no design, a Barbara Marcantonio, e pedi para ela criar uma identidade visual para um Instagram, no qual eu gostaria de divulgar esses encontros. Daí veio o P/A”, conta.
O Perdidas Anônimas foi trilhando seu próprio caminho na internet. O Instagram, que foi pensado inicialmente para divulgar os encontros presenciais, acabou se tornando uma plataforma para divulgar conteúdos relacionados ao assunto. A rede ajudou a consolidar um público fiel de seguidoras e também atingiu seu objetivo inicial: ajudar na disseminação dos encontros.
“Hoje, o Instagram é a principal plataforma do Perdidas – mais que os encontros e a newsletter, mas os encontros sempre vão ser o nosso core, porque é lá, olho no olho, que podemos colocar em prática a ideia de rede de apoio” explica Chames. “A vulnerabilidade é muito falada atualmente, mas ela não é algo fácil. Aí é que a identificação entra no jogo. Essa identificação acaba trazendo força pelo compartilhamento das nossas dores, que, no fim, não são “fraquezas” – são pontes”.
O nome do P/A é um trocadilho com “Alcoólicos Anônimos” e reflete a mente criativa e brincalhona de sua criadora. E a escolha não foi à toa, já que o projeto tem o intuito de ser um espaço de segurança onde as pessoas possam se abrir e ficar à vontade para compartilhar com outras suas dores e experiências, fortalecendo-se com essa troca e roda de conversa.
Ela diz se surpreender a cada dia com o número de mulheres que se identificam com alguns dos mesmos questionamentos que passam por sua cabeça – o que se reflete progressivamente no número de seguidoras no Instagram. Algumas dessas dúvidas passam por pensamentos de permanecer no mesmo trabalho ou tentar algo novo e comparações da situação real de trabalho com expectativas anteriores (e futuras).
“O Perdidas é esse espaço de desconstrução… Desconstrução do trabalho como contaram para a gente. Da vida como contaram para a gente. Por lá, existe muito questionamento. E nesse mundo de autoajuda (nada contra, li alguns e eles me ajudaram mesmo haha), gosto de pensar que não estamos oferecendo uma resposta pronta ou um único caminho”, desmistifica Chames.
ENTREVISTA COM CHAMES OLIVEIRA, CRIADORA DO PERDIDAS ANÔNIMAS
Confira abaixo na íntegra algumas perguntas que fizemos para ela a respeito do P/A:
FTC: Como você definiria sua relação com quem segue o projeto no Instagram e se identifica com o seu conteúdo?
Acho que é uma relação de atenção e cautela. Eu realmente me interesso por tudo que a pessoa está compartilhando. Por isso, se vejo que uma mensagem é longa ou que não estou com tempo disponível para ler e responder como acredito que a pessoa mereça, respeito meu tempo e só o faço quando eu consigo me conectar com aquilo. Cautela, por outro lado, porque são temas sensíveis e sempre me esforço para deixar claro que o Perdidas é uma rede de apoio, mas não ocupamos o espaço de um psicólogo ou profissionais de saúde. Por outro lado, adoro trazê-los para a conversa e existem colaboradores que estão sempre por lá, como a psicóloga maranhense Thaís Fontinele, que enriquece bastante o nosso conteúdo.
FTC: Você escreve não apenas sobre carreira, mas também fala muito a respeito de cuidados pessoais e rotina de beleza, não apenas como um momento “fútil”, mas como parte de um autocuidado. Como você enxerga a importância desses rituais no dia a dia?
O Perdidas traz como ponto de largada a carreira e profissão porque nós acreditamos que é isso que preenche a nossa vida. O verbo “fazer” e “ser” estão muito ligados com a nossa ocupação. Afinal, quando perguntam “o que você faz?” ou “o que você é?”, respondemos com o nosso trabalho no momento. Então, se não estamos trabalhando (profissionalmente) em algo, sentimos que não somos. É como se anulássemos a nossa existência.
É essa chavinha que eu gostaria de mudar – para mim e para a nossa comunidade. Somos muito mais que o nossa profissão: às vezes estamos trabalhando em muitas outras coisas que não dizem respeito à nossa carreira. E é exatamente por sermos mais que a nossa profissão, que eu acredito que a gente precisa encontrar uma forma de trabalhar eficiente, de uma forma que o job não ocupe toda a nossa energia e horários.
Para mim, o autocuidado é a base dessa virada de chavinha. Para enxergamos que nossa vida é mais que trabalho, precisamos estar cuidando da gente. Precisamos estar atentas. E, claro que autocuidado é muito mais que uma sessão de massagem, mas acho que esses rituais de beleza são um ponto palpável de colocar atenção na gente mesma.
Fazer do banho um momento de relaxamento ou entender qual é a reação da nossa pele aos produtos que passamos no rosto, pode ser mais fácil que meditar, por exemplo. Acho legal como podemos subverter a mensagem de que beleza é futilidade quando esses processos viram conexão.
FTC: Quais são as maiores alegrias e dificuldades de empreender um projeto online? E o melhor aprendizado?
Eu não diria que estou empreendendo com o Perdidas porque ele não é de fato um negócio – ainda, espero. Mas, sim, por outro lado é um empreendimento porque é algo que nasceu do zero e que, aos poucos, ganha um “corpo”, um direcionamento. Gosto de pensar que o Perdidas é um projeto em construção, assim como a nossa jornada.
A maior dificuldade é não cair no jogo do algoritmo. Continuar o projeto em um ritmo que seja honesto com a minha rotina, sem se preocupar com um constante crescimento online, sabe? Nós temos essa obsessão com crescimento. O crescimento é indicador de que algo está prosperando. Tento me lembrar que para mim, a manutenção do meu público também é valiosa.
A qualidade do conteúdo também é importante para mim e, se em determinada semana, eu não conseguir fazer conteúdo interessante e apurado, prefiro não postar nada. O Instagram, por outro lado, vai me penalizar por isso. E, enfim, é lembrar o que pesa mais na minha balança e isso será sempre o conteúdo.
FTC: Quais planos/sonhos você tem para o futuro do Perdidas?
Já que eu banco a sincerona sempre, o primeiro dos planos é que o P/A seja financeiramente sustentável. Atualmente, eu não ganho nada com o projeto e ele é sustentado com o dinheiro do meu trabalho CLT. Então existe (muito!) esse medo de que, caso eu fique sem trabalho, eu não tenha condições de continuar com o projeto. Então, considerando que eu tenha ferramentas para mantê-lo vivo, meu principal desejo, hoje e sempre, é que ele possa acolher mais meninas e que as acolha de uma forma digna.
Eu digo isso porque muitas vezes vemos projetos que adoramos e imaginamos que deva ser muito legal tocar algo do tipo. Nestes momentos, é fácil cairmos em comparação. Achamos que as coisas que os outros estão fazendo são melhores que as que estou fazendo. Mas, no fundo, sabemos muito pouco sobre os bastidores dessas coisas.
Mas, voltando aos planos: eu quero, de verdade, que o Perdidas seja um portal de conteúdo e acho que 2020 será um ano quase inteiramente focado nisso. Pensando alto, eu adoraria ter também uma Casa Perdidas Anônimas, com espaços para aulas e palestras, discussões, lazer e trabalho.
Se você se identificou ou ficou curiosa (o) para saber mais sobre o Perdidas Anônimas, siga o projeto pelo Instagram, aqui.